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60 O. LEVI-STRAUSS<br />

TB1STES TB6PICOS 61<br />

trecho pela cabolagem ao longo dacosta brasileira, com es~alas<br />

em Recife, Bahia e Vit6ria. 0 ar pouca a pouca se aquecl~,<br />

as serras espanholas desfiIavam devagar no horizonte, e illlragens<br />

em forma de calinas e de penhascos prolongava~ 0<br />

espetaculo durante dias inteiros, ao largo d.a costa da A;f~lca,<br />

demasiado baixa e pantanosa para ser dlretamente vlslvel.<br />

Era 0 contrario de uma viagem. Mais do que meio de transporte,<br />

0 navia nos parecia habita~ao e lar, a port~ do qual 0<br />

palco girat6rio do IDundo fizesse aparecer eada dla urn novo<br />

cenario.<br />

Entretanto 0 espfrito etnografico me era ainda tao estranho<br />

que -e~ nem pensava em aproveitar essas oc~siOes.<br />

Aprendi depois quanta essas breves olhadas numa clda~e,<br />

Duma regiiio au Duma cultura, exercern utilmente a aten~~o<br />

e permitem mesmo, por vezes - devido a intensa conceIlt~a~~o<br />

tornada necessaria pelo momento tao rapido de que se dlspoe<br />

,_ apreender certas propriedades do objeto que poderiam," em<br />

i outras circunstAncias, permanecer longo tempo escondidas.<br />

Outros espeblculos me atraiam mais fortemente, e, com a ingelluidade<br />

do novi~, ell observava apaixonadamente, no conves<br />

deserto esses cataclismas sobrenaturais cujo nascimento, evo-­<br />

lu~ao ~ fim eram figurados cada manha, por alguns ins~ante~,<br />

nos quatro cantos do mais vasto horizonte que eu Jamals<br />

contemplara, pelo nascer e pelo pOr do sol. Se eu encontr~sse<br />

uma linguagem para fixar essas aparencias a um tempo mstaveis<br />

e rebeldes a qualquer esfor~o de descri~ao, se me f6sse<br />

dado comunicar a outrem as fases e as articula~es dum acontecimento<br />

entretanto linico e que jamais se reproduziria nos<br />

mesmos termos, entao, pensava eu, teria de um s6 golpe atingido<br />

os arcanos do meu oficio: nao haveria experiencia estranha<br />

ou particular a que me expusesse a pesquisa etnografica e<br />

cujo sentido e alcance eu nao pudesse urn dia fazer que todos<br />

apreendessem.<br />

Depois de tantos anos, conseguiria rec?IOCar-me nes~e eitado<br />

de gra~a? Conseguiria reviver esses instantes febriS e~<br />

que, papel na mao, anotava, segundo por segundo, a expressao<br />

que me permitiria talvez imobilizar essas formas ev~nescentes<br />

e .sempre renovadas? A brincadeira ainda me ~asclDa e frequentemente<br />

me surpreendo correndo os seus riSCOS.<br />

ESCRITO NO<br />

NAVI~<br />

Para os cientistas, a aurora e 0 crep'll.sculo sao um unwo<br />

jen6rneno e os gregos pen.savam a mesma coisa, jd que os designavam<br />

com Ulna palavra qualificada diferentemente seguMo<br />

se tratasse da tarde au da manha. Essa confusao bem exprime<br />

a preocuparao dominante das especulat;ues te6ricas e uma singUlar<br />

negTigencia do aspeoto concreto das coisas. Que urn<br />

ponto qualquer da terra se desloque por um rnovimento indivisivel<br />

entre a zona de incidencia dos raios solares e aquela em<br />

que a luz The escapa au the volta, e possivel. Mas, na realidGAie,<br />

nada I! mais diferente que a tarde e a manhii, 0 nascimento<br />

do dia e um preludio~' seu ocaso, uma abertura que se<br />

produzisse no jim, em lugar do comero, como nas velhas 6peras.<br />

A face do sol anuncia os momentos que se VaG seguir, s01nbrio<br />

e liV'ido se as pritneiras horas da manha dev€1n ser chuvosas~·<br />

r6seo, leve, espumoso quando U1na luz clara vai brilhar. .Mas<br />

a aurora n40 permitc previsoes s6bre 0 resto do dia. Ela<br />

camera a lU}i1o meteorol6gica e diz: vai chover, vai fazer um<br />

dla bonito. Quanto ao p6r do sol, e outra coisa; trata-se de<br />

urna representarao completa COnt um -inicio, urn meio e um<br />

jim. E esse espetaculo proporciona uma especie de imagcl1t<br />

reduz'ida de combates, de triunjos e de derrotas que se sucederam<br />

durante doze horas de uma maneira palpavel, mas<br />

tambem mais lenta. A aurora e apenas 0 inioio do dia; 0<br />

crepusculo I! uma repetiriio dele.<br />

Eis ai porque os homens prestam mais ateru;iio ao sol poente<br />

que ao sol levante~' a aurora s6 lhes fornece uma indicarao<br />

suplementar as do term6metro, do barometro e - para os<br />

rmenos· civilizados - das fases da lua, do voo dos passar08 O'll<br />

das osoilaroes das mares. Enquanto um por de solos exalta,<br />

reune em misteriosas configurayoes as peripecias do vento, do<br />

frio, do calor ou da chum nas quais seu ser fi8ico foi sacudido.<br />

Os cstados de conscWncia podern-sc ler tambem ne8sas constellU}oes<br />

esponjosa8. Quando 0 ceu comera a iluminar-sc com<br />

as flamas do poentc (assim como, em certos teatros, sao as<br />

bruscas ilumi'1'1,afiocs do palco e nao as tres batidas tradicionais<br />

que anunciam 0 inicio do espettieulo) 0 camponlJs suspende<br />

sua marcha ao longo do caminho, 0 pescador inwbiZiza a sua<br />

barca e 0 selvagem pestaneja, sentGAio ao pI! de um fogo<br />

moribundo. Recordar e uma grande volupia para 0 homem,<br />

mas nf.io na medida em que a memOria se revela literal, por-<br />

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