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170 C. LE:VI-STRAUSS TRISTES Tx6PICOS 171<br />
na areia, salvo a hera venenosa em grandes placas, abastecern-se<br />
uma vez por dia no unieo comerciante, instalado aD<br />
pe do desembarcadouro. Nas ruelas mais altas e mais esb'iveis<br />
que a duna, veem-se, enHio, esses casals estereis voltando<br />
para a sua cabana e empurrando carrinhos de crian~as<br />
(unicos vefculos compatfveis com a estreiteza das vias) ocupados<br />
somente pelas garrafas de leite do fim de semana qne<br />
nenhum bebe ingerira.<br />
Fire-Island da a impressao de uma farsa alegre, de que<br />
Porto Esperan~a fornece uma replica para uso de uma popula~ao<br />
mais infeliz. Nada justifiea a sua existencia, a nao<br />
ser 0 paredao terminal, contra 0 rio de uma estrada de ferro<br />
com 1.500 quilometros de extensao, atraves de uma regUlo em<br />
tres-quartos desabitada; a partir d~se ponto, as rela~6es<br />
com 0 interior 86 se fazem por navio, e os trilhos se interrompem<br />
sobre a margem lamacenta, mal consolidada pelas tabuas<br />
que servem de desembarcadonro aos pequenos barcos fluviais.<br />
Nenhuma outra poPula~ao, a nao ser os empregados da<br />
linba; nenhuma outra casa, a nao ser as deles. Sao barracas<br />
de madeira, construidas em pleno pantano. La se chega atraves<br />
de tabuas oscilantes que sulcam a zona habilada. Instalamo-nos<br />
num chale pOsto a nossa disposi~&o peJa dire~iio da<br />
estrada, caixa cdbica formando urn pequeno quarto empoleirado<br />
em altas estacas, e onde se entra por uma escada. A<br />
porta se abre no vacuo sobre urn desvio; de madrugada, sornos<br />
acordados pelo apito da Iocomotiva isolada que nos servira<br />
de veiculo particular. As noites sao penosas: 0 calor<br />
umido, os grandes mosquitos dos charcos que assaltam 0 nosso<br />
refugio, os pr6prios mosquiteiros cuja conce~ao, estudada com<br />
excessivo cuidado antes da partida, se revela defeituosa, tudo<br />
contribui para tornar 0 sono impossivel. As 5 horas da manha,<br />
quando a locomotiva inunda de vapor 0 nosso fino assoalho,<br />
0 calor do dia precedente ainda estll la. Nenhuma bruma,<br />
apesar da umidade, mas urn ceu de chumbo, uma atmosfera<br />
pesada como se urn elemento suplementar se tivesse juntado<br />
ao ar e 0 tornasse impr6prio A respira~ao. Felizmente, a Iocomotiva<br />
e rapida e, sentados A brisa, as pernas penduradas<br />
sobre 0 limpa-trilhos, conseguimos sacudir 0 langor noturno.<br />
A via unica (ai passam dois trens por semana) foi sumariamente<br />
deilada atraves do pli.ntano, passarela fragi! que<br />
a locomotiva a cada instante parece inclinada a abandonar.<br />
De urn lado e de outro dos trilhos, uma agua lamacenta e<br />
repugnante exala urn fedor insipido. .E entretanto dessa agua<br />
que beberemos, durante semanas.<br />
A -(Hreita e A esquerda, arbustos se erguem, espa~ados<br />
como num pomar; a distancia confunde-os em massas escuras,<br />
enquanto que sob seus galbos 0 cen refletido vela agua forma<br />
manchas cintilantes. Tudo parece cozinhar numa tepidez propiela<br />
as lentas matura~es. Se fDsse possivel permanecer durante<br />
mil8nios nessa paisagem pre-histOrica e perceber-Ihe 0<br />
escoamento, assistir-se-ia, sem duvida, a transforma~ao das<br />
materias orgllnicas em turfa, em carvao on em petr6leo. Eu<br />
pensava, mesmo, ver este ultimo brotar A superficie, tingindo<br />
a agua de matizes irisados; nossos trabalhadores se recusavam<br />
a admitir que nos dessemos e lhes infligissemos tanto trabalho<br />
por alguns cacos; encorajados pelo valor simb6lico que atribuiam<br />
aos nossos capacetes de corti~a, emblema dos "engenheiros",<br />
concluiam que a arqueologia servia de pretexto a<br />
prospec~es mais valiosas.<br />
Por vezes, 0 silencio era perturbado por animais pouco<br />
assustados pelo homem: urn veado, perplexo, de rabo branCD;<br />
bandos de emas, que sao pequenos avestruzes, ou os v60s<br />
brancos das gar~as, raspando a superficie da agua.<br />
No meio do caminho, os trabalhadores alcan~am a locomotiva<br />
e se i~am ao nosso lado. Parada: estamos no quilometro<br />
12; a via secundaria se interromve, e preciso agora<br />
alcan~ar a pe a jazida. Percebemo-Io de longe, com 0 seu<br />
aspecto caracteristico de capao.<br />
Contrariamente a aparencia, a agna do pantanal e Iigeiramente<br />
corrente; elacarrega conchas e limo que se acumulam<br />
em certos pontos em que a vegeta~ao se enraiza. 0 pantanal e<br />
assim pontilhado de eri~mentos de verdura chamados capoes,<br />
onde os indios estabeleciam outrora seus acampamentos e<br />
onde se descobrem os vestigios da sua passagem.<br />
Alcan~arnos, pois, diariamente nosso capao por uma pista<br />
de madeira que fabricamos com tabuas amontoadas perto da<br />
via; la, passamos dias esmagadores, respirando com dificuldade<br />
e bebendo a agna do charco esquentada pelo sol. Ao<br />
cair do dia, a locomotiva nos vinha buscar, OU, as vezes, urn<br />
desses carrinhos de conserva, que os trabalhadores, de pe, noS<br />
quatro cantos, impulsionavam com grandes golpes de vara, A<br />
maneira de gondoleiros. Cansados e sedentos, voltavamos para<br />
nao dormir no deserto de Porto E,speran~a.<br />
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