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434 C. LEVI-STRAUSS TRISTES TR6PICOS 435<br />
pelos outros a ponto de incitA-los a renunciar ao sen USO, tao<br />
grande deveria ser, na nossa opinHlo, 0 sell reconhecimento<br />
para conosco, pelo fato de os havermos imaginado antes de<br />
mais ninguem. Assim 0 Islam que, no Oriente Pr6ximo, fo1 0<br />
inventor da toler§'ncia, DaD perdoa aos nao-mu~ulmanos por<br />
nao abjurarem sua fe em proveilo de Maome, visto que ela<br />
tern s6bre t~das as Qutras a esmagadora superioridade de respeita-Ias.<br />
0 paradoxa esta, no nosso caso, em que a malaria<br />
dos nossos interlocutores e mu~ulmana, e que 0 espfrito molar<br />
que nos anima, lins e Qutros, apresenta demasiados tra~os<br />
comuns para que DaO se nos oponham. No plano international,<br />
bern entendido; porque essas diferen!:"s se referem a dUas<br />
burguesias que se afrontam. A opressao politica e a explora~ao<br />
economica DaD tern 0 direito de ir procurar desculpas<br />
entre suas vitimas. Se, contudo, uma Fran~a de 45 milhoes<br />
de habitantes se abrisse largamente, com base na igualdade<br />
de direitoo, para admitir 25 milhoes de cidadaos mu~ulmanoo,<br />
mesmo analfabetoo em grande propor~o, nao estaria tomando<br />
uma decisao mais arrojada do que aquela que permitiu a<br />
America deixar de ser uma pequena provincia do mundo anglo-saxao.<br />
Quando os cidadiios da Nova Inglaterra decidiram,<br />
hA urn seculo, autorizar a imigra~o proveniente das regioes<br />
mais atrasadas da Europa e das camadas sociais mais deserdadas,<br />
e deixar·se submergir por essa vaga, fizeram e ganharam<br />
uma aposta, euja parada era tao grande quanta a que<br />
nos recusamos a arriscar.<br />
Pode~lo-emos algum dia? Duas f6r~as regressivas que se<br />
juntam veem sua dir~ao inverter-se? Salvar-nos-iarnos a<br />
n6s mesmos, au, antes, nao consagrarfamoo nossa perda se,<br />
refor~ando nosso erro com 0 que Ihe e simetrico, nos resignassemos<br />
a amesquinhar 0 patrim~nio do Mundo Antigo nesses<br />
10 ou 15 seculos de empobrecimento espiritual de que a sua<br />
metade ocidental foi 0 teatro e 0 agente? Aqui, em Taxila,<br />
nestes mosteiros budistas que a influencia grega inundou de<br />
estatuas, vejo-me confrontado com essa possibilidade fugitiva<br />
que teve nooso Mundo Antigo de continuar a ser urn mundo.<br />
A cisao ainda nao se completou. Outro destino e possivel,<br />
aquele, precisamente, que 0 Islam interdita, erguendo a sua<br />
barreira entre urn Ocidente e urn Oriente que, sem ele, nao<br />
teriam talvez perdido as suas liga~es com 0 solo comum em<br />
que mergulham as suas ra!zes,<br />
Sem duvida, a esse fundo oriental, a Islam e 0 budismo<br />
se opuseram cada qual A sua maneira, sem deixar de se opor<br />
urn ao outro. Mas, para compreender suas relafiSes, nao se<br />
deve comparar 0 Islam e 0 budismo encarando-os sob a forma<br />
hist6rica que assumiam no momento em que entraram em<br />
contato; porque urn tinha entao 5 seculos de existencia e 0<br />
outro perto de 20. Apesar dessa diferen~a, devemos restitu!<br />
los ambos A sua flor, que, para 0 budismo, conservou 0 mesmo<br />
frescor diante doo seus primeiros monumentoo como junto<br />
das suas mais humildes mauifestac;&es de hoje.<br />
A minha lembran~a repugna dissociar os templos camponeses<br />
da fronteira birma e as estelas de Bharhut que datam do<br />
II seculo antes da nossa era e cujos fragmentos dispersos se devern<br />
procurar em Calcuta e em Delhi. As estelas executadas<br />
numa epoca e numa regiao em que a influencia grega ainda<br />
nao se exercera, trouxeram-me urn primeiro motivo de erno<br />
~ao: ao observador europeu, elas surgern fora dos lugares e<br />
das idades, como se seus escultores, possuidores de uma rnaquina<br />
de suprimir 0 tempo, tivessem concentrado em sua obra<br />
3.000 anos de hist6ria da arte e - colocados a igual distiincia<br />
entre 0 Egito e a Renascen~ - tivessem conseguido capturar<br />
no instante uma evolu~o que se iniela numa epoca que nao<br />
puderam conhecer e que termina no fim de outra, ainda DaO<br />
com~ada. Se existe uma arte eterna, e aquela: conta 5 milenios,<br />
e de ontern, nao se sabe de quando. Pertence as<br />
piramides e as nossas casas; as formas humanas, esculpidas<br />
nessa pedra r6sea de granula~ao fina, poderiam abandona-Ia<br />
e misturar-se A nossa sociedade. Nenhuma estatuaria provoca<br />
mais do que esta urn sentimento tao profundo de paz e de<br />
familiaridade, com as suas mulheres castamente impudicas<br />
e sua sensualidade m.aternal que se compraz na oposi~ao das<br />
maes-amantes e das m~as-enclausuradas, opondo-se, ambas,<br />
its amantes-enclausuradas da 1ndia nao-bUdica: feminllidade<br />
placidae como que liberada do conflito dos~ue os honzoo<br />
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