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196 c. LEVI-STRAUSS TRISTES TBOPICOS 197<br />
Era preciso estar pintado para ser hornem; 0 que perrnanecia<br />
no estado natural nlio se distinguia dos brutos.<br />
Quase nlio M. dl1vida em que, atualmente, a persistencia<br />
do costume entre as mulheres se explica por considera~5es<br />
er6ticas. A reputa~lio das mulheres caduveo esta solidamente estabelecida<br />
nas duas margens do Rio Paraguai; muitos mesti~os<br />
e indios de outras tribos vieram se instalar e casar em 1\alique.<br />
As pinturas faciais e corporais explicam talvez essa<br />
atra~ao; em todo 0 caso, elas a refor~am e simbolizam. 1£sses<br />
contornos delicados e sutis, tao sensiveis quanta as linhas do<br />
rosto e que ora as acentuam, ora as disfar~am, dao a mulher<br />
qualquer coisa de deliciosamente provocante. Essa cirurgia<br />
pict6rica realiza uma especie de enxerto de arte no<br />
corpo humano. E quando Sanchez-Labrador protesta ansiosamente<br />
que isso corresponde a "opor as gra~s da Natureza<br />
uma fealdade artificiosa", ele se contradiz, ja que, algumas<br />
linhas depois, afirma que as mais belas ta~rias nao poderiam<br />
rivalizar com essas pinturas. Jamais, sem duvida, 0<br />
efeito er6tico da caracteriza~o foi tao sistematica e conscientemente<br />
explorado.<br />
Por suas pinturas faciais, como por seu uso do ab3rto<br />
e do infanticidio, os Mbaia exprimiam 0 mesmo horror a<br />
natureza. A arte indigena proclama um soberano desprezo<br />
pela argila de que somos feitos; nesse sentido, confina com<br />
o pecado. De seu ponto de vista de jesuita e de missionario,<br />
Sanchez-Labrador mostrava-se singularmente perspicaz ai adivinhando<br />
0 dem5nio. 1i:le pr6prio sublinha 0 aspecto prometeico<br />
dessa arte seIvagem, quando descreve a tecnica pela qual os<br />
indigenas cobriam 0 corpo de rnotivos em forma de estrelas:<br />
"...-\.ssim., cada Eyiguayegui considera-se como outro Atlante<br />
que se torna, nao mais sbmente nas espaduas e nas maos,<br />
.1<br />
"-<br />
mas por tMa a superfide do corpo, 0 suporte de um uuiverso<br />
desajeitadamente figurado". Seria a explica!:lio do carater<br />
excepcional da arte caduveo a de que, por seu intermedio,<br />
o homem se recusa a ser urn reflexo da imagem divina?<br />
Considerando os motivos em forma de barras, de espirais<br />
e de verrumas pelos quais essa arte parece ter pred.il~ao,<br />
pensa-se inevitavelmente no barroco espanhol, nos seus ferros<br />
forjados e nos sens estuques. Nao estariarnos em presen~a<br />
de urn estilo ingenuo tornado aos conquistadores? E certo<br />
que os indigenas se apropriaram dos temas, e conhecemos<br />
exemplos di\sse procedimento. Quan~o visitaram 0 primeiro<br />
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