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'T'Enpf<br />

438 C. lEVI-STRAUSS<br />

A essa luz, compreendo melhar 0 equfvoeo da arte mogoI.<br />

A emo~ao que inspira nada tern de arquitetural: pertence a<br />

poesia e a musica. Mas, DaD e pelas rawes que se acabam<br />

de ver que a arte mu~ulmana devia continuar fantasmag6~<br />

rica? "Urn sonha de marmore", diz-se do Taj Mahal; essa<br />

f6rmula de Baedeker encobre uma verdade muito profunda.<br />

Os mog6is sonharam a sua arte, criaram literalmente palacios<br />

de sonhos; TIaO construiram, mas transcreveram. Assim, esses<br />

monumentos podem perturbar simultAneamente por sen lirisrno<br />

e por urn aspecto vazio que e 0 dos castelos de cartas ou<br />

de conchas. Mais do' que pailicios sblidamente fincados na<br />

terra, sao "maquettes", procurando em vao alcan~ar a exis­<br />

U~ncia pela raridade e pela dureza dos materiais.<br />

Nos templos da fndia, 0 idolo e a divindade; e la que ela<br />

reside, sua presen~a real tarna 0 templo precioso e temivel,<br />

e justifica as precau~es devotas: assim 0 aferrolhamento das<br />

portas, salvo nos dias de rece~ao do deus.<br />

A essa conce~ao, 0 Islam e 0 budismo reagem de maneiras<br />

diferentes. 0 primeiro exclui os idolos e os· destr6i,<br />

suas mesquitas sao nuas, s6 a congrega~ao dos crentes as<br />

anima. 0 segundo substitui as imagens pelos idolos e nao<br />

sente emhara~o em muItiplicar as primeiras, ja que nenhuma<br />

e efetivamente 0 deus, mas 0 evoca, e que 0 pr6prio numero<br />

favorece a obra da imagina~ao. Ao lado do santuario hindu<br />

que aloja urn idolo, a mesquita e deserta, salvo de homens,<br />

e 0 templo budista abriga uma multidao de efigies. Os centros<br />

greco-budistas onde mal se pode circular num pululamento<br />

de estHuas, de capelas e de pagodes, anunciam 0 humilde<br />

kiong da fronteira birma, em que estao alinhadas figurinhas<br />

inteiramente semelhantes e fabricadas em serie.<br />

Encontrava-me numa aldeia mogh do territ6rio de Chit~<br />

tagong, no mes de setembro de 1950; hA varios dias, observava<br />

as mulheres levando t6das as manhas ao templo a alimenta~ao<br />

dos bonzos: durante as horas da sesta, ouvia as batidas de<br />

gongo que escandiam as ora~oes e as vozes infantis cantarolando<br />

0 alfabeto birmanes. 0 kiong estaY:l situado nos limites<br />

da aldeia, no cimo de uma pequena colina arborizada, semelhante<br />

as que os pintores tibetanos gostam de representar a<br />

distancia. Ao seu pe encontrava-se 0 jedi, isto e, 0 pagode:<br />

nessa pobre aldeia, Ne se reduzia a.uma constru~ao de terra,<br />

de plano circular, elevando-se em sete andares concentricos,<br />

arrumados como degraus de anfiteatro, num quadrado cercado<br />

TRISTES TB6PICOS 439<br />

de bambu. Tinhamos tirado os sapatos para subir a colina,<br />

cuja fina argila alagada era branda para os nossos pes descal~os.<br />

De cada lado do outeiro, viam-se os pes de abacaxis<br />

arrancados na vespera peloo camponeses, chocados pelo fato<br />

de os seus sacerdotes se permitirem cuItivar frutas, jA que a<br />

popula~ao laica se E?ncarregava de sua manuten~ao. 0 cimo<br />

apresentava 0 aspecto de uma pequena pra~a rodeada por<br />

tres lados de barracoes de palha, abrigando grandes objetos<br />

de bambu cobertos de papeis multicoloridos, como papagaios de<br />

crian(~a, e destinadoo a ornar as procissoes. No ultimo lado,<br />

elevava-se 0 templo, s6bre estacas, como as cabanas da aldeia,<br />

das quais apenas se diferenciava por suas maiores dimensoes<br />

e pelo corpo quadrado com teto de palha que dominava 0<br />

edifieio principal. Depois da subida na lama, as ablu~es<br />

prescritas pareeiam inteiramente naturais e desprovidas de<br />

sigIlifica~o religiosa. Entramos. A uniea luz era a que caia<br />

do alto da clarab6ia formada pelo vao central, bern em cima<br />

do altar, de onde pendiam os estandartes de pano ou de esteiras,<br />

e a luz que se filtrava atraves da palha das paredes.<br />

Urnas cinqiienta estatuetas de latao fundido se amontoavam<br />

no altar, ao lado do qual estava pendurado urn gongo; viam-se<br />

pelas paredes algumas cromolitografias piedosas e uma cab~a<br />

de cervo. 0 assoalho, de grossos 'hambus fendidos e tranm-­<br />

dos, brilhando pela fri~ao dos pes descal~os, era, sob os nossos<br />

passos, mais macio do que urn ta~te. Reinava uma tranqtiila<br />

atmosfera de granja e 0 ar cheirava a feno. Essa sala simples<br />

e espa~osa que parecia uma m6 escavada, a cortesia dos<br />

dois bonzos de pe junto aoo seus enxergijes colocados sobre<br />

urn estrado, a tocante aplica~ao que presidira a reuniao ou a<br />

confec~ao dos acess6rios do culto, tudo contribuia para me<br />

aproximar, mais do que eu jamais estivera, da ideia que en<br />

podia formar de urn santmirio. "0 senhor nao precisa fazer<br />

como eu", disse-me meu companheiro prosternando-se quatro<br />

vezes diante do altar, e eu respeltei 'essa opiniao. Mas era<br />

fienos por amor-pr6prio do que por discr~ao: ele sabia que<br />

eu nao pertencia a sua confissao e tive mMo de abusar dos<br />

gestos rituais dando~lhe a crer que os encarava como conven­<br />

~es: por uma vez, nao sentiria nenhum constrangimento em<br />

realiza-Ios. Entre esse culto e eu pr6prio, nenhum mal-entendido<br />

se introduzia. Nao se tratava aqui de inclinar-me diante<br />

de idolos ou de adorar uma pretensa ordem sobrenatural, mas<br />

sbmente de prestar homenagem a reflexao decisiva que urn<br />

pensador, on a sociedade que eriou a sua lenda, completou<br />

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