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418 o. LEVI-STRAUSS TBISTES TB6PICOS 419<br />
vadas, e, sem duvida, a que dela mais se afasta. Por Dutro<br />
lado, dlstingulndo os caracteres comuns a maloria das sociedades<br />
humanas, ajuda a constituir urn tipo que nenhuma reproduz<br />
fielmente, mas que precisa a dir~ao em que a investiga!:ao<br />
se deve oriental'. Rousseau pensava que 0 g~nero de<br />
vida que hoje chamamos neoIitico oferece a sua imagem experimental<br />
mais pr6xima. Pode-se ou DaD concordar com ele.<br />
EstOll finito inclinado a erer que tinha razao. No neolitico,<br />
o hornem ja realiZQll a maior parte das inven~oes indispensuveis<br />
para garantir a sua seguran~a. Ja se viu porque delas<br />
se pode excluir a escrita; dizer que se trata de uma arma de<br />
dois gumes DaD e uma roarea de primitivismo; os ciberneticistas<br />
modernos redescobriram esta verdade. Com 0 neolitico,<br />
o hornem se pOs ao abrigo do frio e da fome; conquistou<br />
lazeres para pensar; sem dl1vida, Iuta desvantajosamente contra<br />
a doen~, mas nao e garantido que os progressos da higiene<br />
tl:~nham feito mais do que confiar a outros mecanismos: grandes<br />
fomes e guerras de exterminio, 0 encargo de manter uma<br />
medida demografica para a qual as epidemias contribuiam de<br />
uma forma. nao mais assustadora que as outras.<br />
Nessa idade de mito, 0 homem nao era mais livre do que<br />
hoje; mas apenas a sua humanidade fazia dele urn escravo.<br />
Como sua autoridade sobre a natureza continuava muito reduzida,<br />
encontrava-se protegido - e, em certa medida, liberado<br />
- pela almofada amortecedora dos seus sonhos. A medida<br />
em que estes se transformam em conhecimento, 0 poder do<br />
homem aumenta; mas, colocando-nos - por assim dizer <br />
em terceira velocidade com 0 universo, que e, em verdade,<br />
esse poder de que tiramos tanto orgulho, senao a consciencia<br />
subjetiva duma solda progressiva da humanidade com 0 universo<br />
fisico, cujos grandes determinismos agem, de entao por<br />
diante, nao mais como estranhos temfveis: mas por intermedio<br />
do pr6prio pensamento, colonizando-nos em proveito de urn<br />
mundo silencioso de que nos tornamos os agentes?<br />
Rousseau tinha, sem dl1vida, razao em supor que melhor<br />
teria valido, para a nossa felicidade, que a humanidade mantivesse<br />
"urn meio termo entre a indolencia do estado primitivo<br />
e a petulante atividade de nosso amor-pr6prio"; que esse<br />
estado era "0 melhor para 0 homem" e que para tira-Io dele<br />
foi preciso "algum funesto acaso" em que se pode reconhecer<br />
esse fenilmeno duplamente excepcional - porque unleo e tardio<br />
- que consistiu no aparecimento da civiliza!:ao mec§.nica.<br />
Esta claro, entretanto, que esse estado medio nlio e de forma<br />
alguma urn estado primitivo, que ~le sup5e e tolera uma certa<br />
dose de progresso; e que nenhuma sociedade descrita lhe<br />
apresenta a privilegiada imagem, embora "0 exemplo dos<br />
selvagens, que foram q'lase todos encontrados nesse ponto,<br />
par~a confirmar que 0 genera hnmano era feito para sempre<br />
ai permanecer".<br />
o estudo desses selvagens produz outra coisa a18m da<br />
revela~ao de urn estado de natureza ut6pico ou a descoberta<br />
da sociedade perfeita no cora!:ao das florestas; ele nos ajuda<br />
a construir urn modelo te6rico da sociedade humana, que nao<br />
corresponde a nenhuma realidade observavel, mas com 0 auxilio<br />
do qual poderemos distinguir "0 que ha de originario e de<br />
artificial na natureza atual do homem, e bern conhecer urn<br />
estado que nao rnais existe, que taIvez jamais existiu, que<br />
provllvelmente nao existira nunca, e do qual e entretanto ne~<br />
cessario ter no!:oes exatas para bern julgar do nosso estado<br />
presente". Ja citei essa formUla, para mostrar 0 sentido de<br />
meu inquerito entre os Nhambiquara; porque 0 pensamento<br />
de Rousseau, sempre adiantado s6bre 0 seu tempo, nao dissocia<br />
a sociologia te6rica da pesquisa de laborat6rio ou de campo,<br />
cuja necessidade compreendeu. 0 homem natural nao e nem<br />
anterior, nem exterior a sociedade. Cabe-nos reencontrar sua<br />
forma, imanente ao estado social, fora do qual a condi~ao<br />
humana e inconcebivel; logo, tra~ar 0 prograrna das experiencias<br />
que "seriam necessarias para chegar a conhecer 0<br />
hornem natural" e determinar "os meios de realizar essas<br />
experH~ncias no seio da sociedade".<br />
Mas esse modelo - eis a solu!:ao de Rousseau - e eterno<br />
e universal. As outras sociedades nao sao, talvez, melhores<br />
do que a nossa; mesmo que estejamos inclinados a cre-Io, nao<br />
temos a nossa disposi~1io nenhum metodo para prova-lo. Conhecendo-as<br />
melhor, ganhamos, contudo, urn meio de afastarnos<br />
da nossa, nao que esta seja absolutamente ou a linica<br />
rna, mas porque e a linica de que nos devemos libertar: POl'<br />
natureza, ja estamos liberados das outras. Porno-nos assim em<br />
condi~es de abordar a segunda etapa que consiste, sem nada<br />
reter de nenhuma sociedade, em utiliza-Ias t6das para identificar<br />
esses principios da vida social que nos sera possivel<br />
aplicar a reforma dos nossos proprios costumes, e nao A<br />
de sociedades estrangeiras: por causa de urn priviJegio inverso<br />
ao precedente, e sbmente a sociedade que pertencemos que<br />
estamos em posi~ao de transformar sem correr 0 risco de des-<br />
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