You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
TtmpI<br />
304 O. LEVI-STRAUSS<br />
TBISTES TR6PICOS 305<br />
'Iii<br />
:j1i!,<br />
i, "<br />
, ,<br />
','If<br />
(,j<br />
Ii<br />
i<br />
1<br />
.!!<br />
r", :<br />
i i<br />
I'<br />
e ele s6, tambem, que permite assegurar a subsistencia dos<br />
sens membros. Os Nhambiquara vivem sob uma dupla eco<br />
Domia: de ca~adores e horticultores, por urn lado, de coletores<br />
e catadores por DutrO. A primeira e assegurada pelo homem,<br />
a segunda pela mulher. Enquanto 0 grupo mascuIino parte<br />
para urn dia inteiro de ca~, armada de areas e flechas, ou<br />
trabalha nas hortas durante a esta~ao das chuvas, as mulheres,<br />
munidas do basHio de escavar, efraID com as crian!;as<br />
atraves do campo, e apanham, arrancam, ferem, capturam,<br />
agarram tudo 0 que, no sen caminho, pode servir para a aIimenta~ao:<br />
graos, frutos, bagas, raizes, tuberculos, DVOS, pequenos<br />
animais de tMas as especies. No fim do dia, 0 casal se<br />
reconstitui ao redor do fogo. Quando a mandioca esta boa<br />
para ser colhida e enquanto existe, 0 hornem traz urn fardo<br />
de raizes que a mulher rala e espreme para fazer beijus, e<br />
se a ca~a foi frutuosa, cozem-se rapidamente os peda~os do<br />
animal, enterrando-os sob a cinza escaldante do fogo familial.<br />
Mas durante 7 meses do ano, a mandioca e rara; quanto a<br />
ea!:a, depende da sorte, nessas areias estereis em que os poucos<br />
animais que existem quase nao deixam a somhra eas pastagens<br />
das fontes, afastadas, umas e outras, por espa!:os eonsideraveis<br />
de mato semi-desertico. Assim, e da coleta feminina que a<br />
familia devera subsistir.<br />
Muitas vezes partilhei dessas diab6lieas comidinhas de<br />
boneea que, durante metade do ano, sao, para os Nhambiquara,<br />
o tinico meio de nao morrer de fome. Quando 0 homem, sUencioso<br />
e fatigado, volta ao acampamento e joga para 0 Iado urn<br />
areo e flechas que nem foram usados, extrai-se do cesto da<br />
mulber urn eonjunto eomovente: alguns frutos alaranjados da<br />
palmeira buriti, duas grandes caranguejeiras, mintiseulos ovos<br />
de lagarto e alguns desses animais; urn morrego, pequenos<br />
coquinhos de bocaiuva ou de uagua88u, urn punhado de gafanhotos.<br />
Os frutos de polpa sao esmagados com as maos numa<br />
caba~a cheia de agua, os coquinhos quebrados a pedradas, os<br />
animais e as larvas misturados enfiados na cinza; e devora-se<br />
alegremente a refei~ao, que nao chegaria para acalmar a fome<br />
de urn branco, mas que aqui nutre toda a familia.<br />
Os Nhambiquara s6 tern uma palavra para dizer bonito e<br />
jovem, e outra para dizer !eio e velho. Seus juizos esteticos<br />
sao, pois, essencialmente fundados em valores humanos e sobretudo<br />
sexuais. Mas 0 inte~sse que se manifesta entre os<br />
sexos e de natureza complexa. Os hornens julgam as mulheres<br />
globalmente, urn pouco diferentes de si mesmos; tratam-nas,<br />
segundo os casoo, com cobi~, admira~ao ou ternura; a confusao<br />
de termos assinalada acima constitui em si mesma uma homenagero.<br />
Contudo, e ainda que a divisao sexual do trabalho<br />
atribua as mulheres urn papel capital (ja que a subsistencia<br />
familial repousa, em Iarga medida, na coleta e na cata femininas),<br />
este liltimo representa urn tipo inferior de atividade;<br />
a vida ideal e concebida por urn modHo de produ~ao agricola<br />
ou de ca~a; ter muita rnandioca, e grandes peda~os de carne,<br />
e urn sonho constante, ainda que raramente realizado. Enquanto<br />
a provisao aventurosamente coletada e considerada <br />
e realmente 0 e - a miseria cotidiana. No folclore nhambiquara,<br />
a expressao "comer gafanhotos", colbeita infantil e feminina,<br />
equivale ao frances Ilmanger de la vache enragee" e<br />
ao portugues comer "0 pao que 0 diabo amassou". Paralelamente,<br />
a mulher e considerada urn bern delicado e precioso,<br />
mas de segunda ordem. E conveniente, entre os homens, falar<br />
l1as mulheres com uma benevolencia apiedada, dirigir-se-Ihes<br />
com uma indulgencia urn poueo escarnecedora. Algumas ex·<br />
pressoes voltam com frequencia a boca dos homens: "As crian<br />
~as nao sabem, eu sei, as mulberes nao sabem", e evoca-se 0<br />
grupo das dOf}U, das mulheres, seus gracejos, suas conversas,<br />
num tom de ternura e de ca~oada. Mas, isso e apenas uma<br />
atitude social. Quando um homem se encontrar s6 com sua<br />
mulher, junto da fogueira do acampamento, escutara suas<br />
queixas, atendera a seus pedidos, pedira 0 seu concurso para<br />
cern tarefas; a faIa~ao masculina desaparece diante da colabora~ao<br />
dos dois companheiros, conscientes do valor essencial<br />
que apresentam urn para 0 outro.<br />
Essa ambigiiidade da atitude masculina com rela~iio as<br />
mulheres tern a sua exata correspondeneia no comportamento,<br />
tambem ambivalente, do grupo feminino. As mulheres pensam<br />
em si pr6prias como coletividade, e 0 manifestam de diversas<br />
maneiras; ja vimos que nao falam do mesmo modo que os<br />
homens. Isso e sobretudo verdadeiro nas mo~as, que ainda<br />
nao tiveram filhos, e nas concubinas. As maes e as mulheres<br />
idosas acentuam muito menos essas diferen~as, embora tambern<br />
se encontrem ocasionalmente entre elas. AMm disso, as<br />
m~as gostam da eompanhia das crian~as e dos adolescentes,<br />
brincam e gracejam com eles; e sao as mulheres que tomam<br />
conta dos animais da maneira humana pr6pria de eertos indios<br />
sul-americanos. Tudo isso contribui para criarao redor das<br />
mulberes, no interior do grupo, uma atmosfera especial, ao<br />
,,:~u<br />
SO~U;)U<br />
S 'E Jtun'E~S<br />
>1!S9dOJd (<br />
81"''EU'ec<br />
',,,un!"" n<br />
.nb. ,"ljf<br />
n OIDO'J 'E~~<br />
:01 W~ 'p'<br />
W~ (1'E!'J~(<br />
J~nbI·nb<br />
'!""lU'W .~<br />
'pueJjj '(<br />
u,w.5u,<br />
I 'O'"J'O<br />
~'J<br />
O~U~W<br />
'l'ESU! ;)P Sl<br />
·P)U.SUl<br />
U! 'p 0~5<br />
,01",d,. SI<br />
:s.d ~P.P)<br />
mb,wms<br />
)dsUl 01Ul<br />
" ~P'P!UJ;<br />
~1l0'J S'E C<br />
q'''~J 'p (<br />
OA'p op.<br />
!l'J 'E OWO;<br />
op .1J91