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236 O. LEVI-STRAUSS TRISTES TB6PIOOS 237<br />
fUD!:Oes SOCIalS e religiosas. Os mitos, por sua vez, fnndam<br />
privilegios tecnicos qne saO nm dos tra!:OS mais cnriosos da<br />
cultnra bororo. Qnase todos os objetos sao blasonados, de<br />
maneira que permitem identificar 0 cHi e 0 sub-cHi do proprietario.<br />
~sses privilegios consistem na utiliza~ao de certas<br />
penas, ou oores de penas; na forma de tallia-Ias ou de chanfra-Ias;<br />
na disposi~ao de penas de especies e de cores diferentes;<br />
na execu~ao de certos trabalhos decorativos: tran~ado<br />
de fibras ou mosaicos de penas; no emprego de temas espedais,<br />
etc. Assill, os areoS cerimoniais sao ornados de penas<br />
ou aneis de corti~a, de ac6rdo com os canones prescritos para<br />
eada cHi; a haste das flechas traz, na base, entre as plumas<br />
de que e guarnecida, uma ornamenta~o especifica; os elementos<br />
em madreperola dos tembetas articulados sao recortados<br />
em figuras: oval, pisciforme, retangular, diferentes<br />
conforme os cHis; a c6r das franjas varia; os diademas de<br />
penas, trazidos nas dan~s sao munidos duma insignia (gOo<br />
ralmente uma plaquinha de madeira coberta por um mosaico<br />
de fragmentos de penas coladas) referindo-se ao clii do proprietario.<br />
Kos dias de festa, os pr6prios estojos penianos sao<br />
coroados de uma fita de palha rigida, decorada ou cinzelada<br />
com as ~res e formas do cHi, estandarte estranhamente<br />
carregado!<br />
Todos esses privilegios (alias, negociliveis) Sao objeto duma<br />
vigilAncia zelosa e combativa. E inconcebivel, diz-se, que<br />
urn cia se aproprie das prerrogativas de outro: uma luta<br />
fratricida abrir-se-ia. Ora, desse ponto de vista, as diferen<br />
~as entre os das sao enormes: alguns sao luxuosos, outros<br />
miseraveis; para nos convencermos disso, basta inventariar 0<br />
mobiliario das cabanas. Mais do que em ricos e pobres, dis·<br />
tingui-Ios-iamos em rusticos e refinados.<br />
o equipamento material dos Bororo se caracteriza por<br />
sua simplicidade aliada a uma rara perfei~o de execu~o.<br />
o instrumental permanece arcaico, a despeito dos machados<br />
e das facas outrora distribuidos pelo Servi~o de Prot~o.<br />
Se recorrem aos instrumentos de metal para os trahalhos<br />
pesados, os indfgenas eontinuam 0 acabamento das ma~as para<br />
peixes, dos areos e das flechas de madeira dura delieadamente<br />
denteadas, com urn instrumento que se parece, ao mesmo<br />
tempo, a uma enx6 e a urn buril, e que utilizam a todo momento,<br />
como fazemos com os nossos canivetes: consiste ele<br />
num incisivo recurvado de eapivara, fixado lateralmente por<br />
uma Iigadura a extremidade de urn cabo. Aiem das esteiras<br />
e dos eestos de virile, as armas e os instrumentos - de OSSO<br />
on de madeira - dos homens, 0 basHio de escavar das m~<br />
Iheres, que sao responsaveis pelos trabalhos agricolas, 0 eqUlpamento<br />
de uma cabana se reduz a m~ito ~uca c~i~a: caba~as;<br />
vasos de eeramiea preta: baeias hemlSfeneas e tlJelas prolongadas<br />
de urn lado por urn cabo a maneira de uma concba.<br />
f:sses objetos apresentam formas muito puras, acentuadas pela<br />
austeridade da materia. Coisa curiosa: parece que outrora<br />
a cerfunica bororo era deeorada e que uma proibi~ao religiosa<br />
relativamente recente eliminou essa teeniea. Talvez se pos~a<br />
expliear da mesma maneira 0 fato de OS indigenas nao malS<br />
FIG. 33 -<br />
Estojos penianos blasonados.<br />
executarem pinturas rupestres, como ainda se encontram nos<br />
abrigos rochosos da chapad