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128 o. LEVI-STRAUSS<br />
tidas aos habitantes: limpeza publica, estrada de ferro, agua<br />
e esgotos, cinemas. Se DaO me engano, houve meSillO, no infcio,<br />
em 1935-36, urn periodo em que se oferecia terra como premio<br />
aos compradores que concordassem em pagar as despesas de<br />
escritura. Pois os notarios e especuladores eram os primeiros<br />
ocupantes,<br />
Visitei GoHlnia em 1937. Uma planfcie sem tim, que parecia,<br />
ao mesma tempo, urn terreno baldio, urn campo de batalba,<br />
eri~ada de postes de eietricidade e de estacas de agrimensura,<br />
exibia uma centena de casas novas dispersas pelos<br />
quatro cantos do horizonte. A mais importante era 0 hotei,<br />
paralelepfpedo em cimento, que, no melD desse achatamento,<br />
evocava uma aero-esta~o ou urn forUm; ter-se-lhe-ia aplicado<br />
de boa vontade a expressao "bastHio da civiliza~ao", Dum<br />
sentido DaO mais figurado mas direto, que adquiria, com esse<br />
usa, urn valor singularmente ironico. Pois nada poderia ser<br />
tao barbaro, tao inumano, quanta ~se empreendimento contra<br />
o deserto. Essa constru~o sem gra~a era 0 contrario de<br />
Golas; nenhuma hist6ria, nenhuma dura~ao, nenhum habito<br />
havia saturado 0 seu vazio ou amenizado a sua rigidez; sentfamo-nos<br />
ali como numa esta~o ou num hospital, sempre<br />
passageiros e jamais residentes. Sbmente 0 temor dum eataelisma<br />
poderia justifiear essa casamata. Produziu-se UID, com<br />
efeito, euja amea~a se prolongava no silencio e na imobilidade<br />
reinantes. Cadmus, 0 eivilizador, tinha semeado os dentes<br />
do dragao. Numa terra esfoiada e queimada pelo halito<br />
do monstro, esperava-se que naseessem homens.<br />
XIV<br />
o TAPETE VOADOR<br />
Hoje, a recorda~o do grande hotei de Goillnia encontra<br />
outras em minha mem6ria, que testemunham, nos dois polos<br />
\ do luxo e da miseria, como sao absurdas as reia!:iles que 0<br />
homem coneorda em manter com 0 mundo, ou, antes, que<br />
lhe sao, calla vez mais, impostas. Reencontrei 0 hotel de<br />
GoiAnia, mas aumentado numa escala desproporcionada noutra<br />
cidade nao menos arbitraria, ja que os calculos POifticos e<br />
o arrancamento sistematico das popula!:iles tinham, em 1950,<br />
feito passar Karachi, no decorrer de tres anos, de 300.000 a<br />
1.200.000 habitantes; e tamMm em pleno deserto: na extremidade<br />
oriental dessa ferida arida, entre 0 Egito e a India,<br />
que despoja uma imensa superffcie de nosso giobo de sua<br />
epiderme viva.<br />
, :~ldeia de pescadores na origem, depois, com a coloniza~ao<br />
mgiesa, pequeno p(lrto e cidade comerciai, Karachi Se viu promovida,<br />
em 1947, A condi~o de capital. Em longas avenidas<br />
do antigo acantonamento, ladeadas de casernas coletlvas ou<br />
individuais - estas ultimas, residencias particuiares de funcionario~<br />
ou de ofieiais - cada uma isolada no sen eercado<br />
de vegeta~ao empoeirada, hordas de refugiados dormiam ao<br />
ar livre e viviam uma existeneia miseravel na cal~da ensanglientada<br />
de escarros de betele, enquanto os milionarios "parsis"<br />
construiam, para os homens de neg6cios ocidentais, verdadeiros<br />
paiacios babilonicos. Durante meses, da madrugada ate<br />
A noite, uma procissao de homens e de mulheres andrajosos<br />
desfiiava (em pafses mu~ulmanos, a segrega~ao das mulheres<br />
e menos uma pratica religiosa que urn sinai de prestlgio burgues,<br />
e os mais pobres nao tern nem mesmo 0 direito a urn<br />
sexo), eada urn carregado com uma eesta de cimento fresco<br />
que derramava na f6rma, e que, sem uma pausa, voltava para<br />
encher junto das misturadoras, para completar urn novo circuito.<br />
Cada ala, mal terminada, era entregue A clientela, pois 0<br />
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