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402 o. LEVI-STRAUSS TBISTES TB6PICOS 403<br />
pendeu somas e esfor~os consideraveis, comprometen a saude,<br />
para ~se dnieo resultado: fazer que sua presen~a seja tolerada<br />
por algumas ddzias de infelizes eondenados a nma pr6xima<br />
extin~ao, ocupados principalmente em espiolhar-se e dormir,<br />
e de eujo eapricho depende 0 exito ou 0 mal&gro da empresa?<br />
Quando as disposi~es dos indigenas sao francamente mas,<br />
como era 0 caso em Campos Novos, a situa~ao torna-se pior:<br />
as indios reeusam ate a sua presen~a; sem prevenir, desapareeem<br />
durante dias, na ca~a, ou em qualquer expedi~ao de<br />
colheita. Na esperan~a de recnperar uma vizinhan~a tao caramente<br />
obtida, espera-se, anda-se, gira-se; releem-se as notas<br />
antigas, recopiam-se, interpretam-se; OU, entaD, procura-se uma<br />
tarefa minuciosa eva, verdadeira caricatura da profissao,<br />
como a de medir a distfincia entre as casas au recensear<br />
urn por urn os ramos que serviram para a constru~ao dos<br />
abrigos abandonados,<br />
Sobretudo, interrogamo-nos: que viemos fazer aqni? Com<br />
que esperan.;:a? Com que fim? Que e, realmente, urn inquerito<br />
etnografico? 0 exercfcio normal de uma profissao como<br />
as outras, com esta unica diferen~a de que 0 escrit6rio on<br />
o iaborat6rio estao separados do domicilio por alguns milhares<br />
dequil3metros? Ou a consequencia de uma escolha mais<br />
radical, implicando 0 reexame do sistema em que se nasceu<br />
e no qual se creseeu? Eu deixara a Fran~a ha quase cinco<br />
anos, abandonara minha carreira universitaria; durante esse <br />
tempo, meus condiscipulos mais avisados eram promovidos;<br />
os que, como en outrora, se tinham inclinado pela politica,<br />
eram hoje deputados, logo seriam ministros. E en corria as<br />
desertos, perseguindo os rebotalhos da humanidade. Quem<br />
ou 0 que me havia, entao, feito desviar do curso normal de<br />
rninha vida? Era urn ardU, urn habil rodeio, destinados a me<br />
permitir a reintegra~ao na minha carreira com as vantagens<br />
suplementares que me seriam concedidas? Ou minha decisao<br />
exprimia uma incompatibilidade profunda com 0 meu grupo<br />
social, do qual, acontecesse 0 que acontecesse, en estava destinado<br />
a viver cada vez mais isolado? Par urn singular paradoxa,<br />
em Iugar de me abrir urn novo universo, minha vida aventurosa<br />
antes me restituia 0 antigo, enquanto aqueIe que eu<br />
pretendera se dissolvia entre os meus dedos. Quanta mais as<br />
homens e as paisagens a cuja conquista en partira perdiam,<br />
ao possuf-Ios, a significa.;:ao que eu deIes esperava, mais essas<br />
imagens deeepcionantes ainda que presentes eram substituidas<br />
por outras, pastas em reserva por meu passado e as quais<br />
eu nao dera nenhum valor quando aioda pertenciam a realidade<br />
que me rodeava. Em viagem por extens6es que poucos<br />
olhares tinham contemplado, partilhando da existencia de<br />
povos euja miseria era 0 pre~ - pago por eles, em primeiro<br />
Iugar - do men regresso ao curso dos milenios, eu j:1 nao<br />
percebia nem nns, nem outros, mas vis6es fugitivas do campo<br />
frances, que eu negara a mim mesmo, ou fragmentos de<br />
musica e de poesia que eram a expressao mais convencional<br />
de uma civiliza~ao contra a qnaI eu optara, tinha de reconhece-Io,<br />
ou correr 0 risco de desmentir 0 sentido que havia<br />
dado it minha vida. Durante semanas, nesse planalto do<br />
Mato Grosso ocidental, sentira-me obsessionado, nao pelo que<br />
me rodeava e que eu jamais reveria, mas por uma melodia<br />
repisada que minha lembran~a ainda mais empobrecia: a do<br />
estudo numero 3, opus 10, de Chopin, em que me parecia,<br />
por uma derrisao a cnjo amargor eu era tambem sensivel,<br />
resumir-se tudo 0 que eu deixara para tras.<br />
Por que motivo Chopin, por quem eu nao tinha nenhuma<br />
inclina~ao particular? Educado no culto wagueriano, en descobrira<br />
Debussy em data muito recente, depois, meSilla, que<br />
"Noces", ouvidas na segnnda au terceira representa~ao, me<br />
tivessem revelado em Stravinsky urn mundo que me parecia<br />
mais real e mais valido que os campos do Brasil central, fazendo<br />
desmoronar meu nniverso musical anterior. Mas, no<br />
momenta em que deixei a Fran.;:a, era Pel7A!as que me fornecia<br />
0 alimento espiritual de que tinha necessidade; entao,<br />
por que Chopin e sua obra mais banal se me impunham no<br />
deserto? Mais ocupado em resolver esse problema do que<br />
em me dedicar As observa~es que me teriam justificado, eu<br />
me dizia que 0 progresso que consiste em passar de Chopin a<br />
Debussy se ve talvez ampliado quando se produz em sentido<br />
contrario. As delicias que me faziam preferir Debussy, en<br />
as encontrava agora em Chopin, mas sob uma forma implicita,<br />
ainda incerta, e tao discreta que nao as percebera de inicio<br />
e me Ian@.ra de chofre A sua manifesta~ao mais ostensiva.<br />
Eu realizava urn duplo progresso: aprofundando a obra do<br />
compositor mais antigo, reconhecia-Ihe belezas destinadas a<br />
permanecer ocultas a quem nao tivesse, em primeiro lugar,<br />
conhecido Debussy. Eu gostava de Chopin por excesso, e niio<br />
par falta, como acontece com aqueles cuja evolu~ao musical<br />
parou nele. Por outro Jado, para favorecer em mim mesmo<br />
o aparecimento de certas em~es, eu ja nao tinha necessidade<br />
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