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326<br />

C. LEVI-STRAUSS<br />

TBISTES TR6PICOS<br />

827<br />

pelos arrectores. Nao precisamos caminhar 200 metros para<br />

descobrir 0 nosso homeID, acocorado no solo e tremendo na<br />

obscuridade; estava inteiramente nu, i8tO e, privado dos sens<br />

calares, braceletes, brincos e ciuto, e, it luz da minha Himpada<br />

eMtrieR, pudemos adivinhar sua expressao tragica e sua c6r<br />

decomposta. Deixou-se conduzir sem dificuldade ao acampamento,<br />

onde se sentou mudo e numa atitude de abatimento<br />

extremamente impressionante.<br />

Sua hist6ria Ihe foi arrancada por urn audit6rio ansioso.<br />

1l:le explicou que tinha sido arrastado pelo trovao, que os<br />

Nhambiquara chamam amon (uma tempestade - anunciadora<br />

da esta~ao das chuvas - ocorrera durante 0 dia); este ultimo<br />

tinha-o elevado nos ares ate urn ponto que ele deslgnou,<br />

distante 25 qUllometros do acampamento (Rio Ananas), tinha-o<br />

despojado de todos os seus ornamentos, depois reconduzido pela<br />

mesma via e deposto no Ingar em que 0 haviamos descoberto.<br />

Todo mundo adormeceu comentando 0 acontecimento, e, na<br />

manha seguinte, 0 chefe sabane havia recnperado nao somente<br />

o sen born-humor habitual, mas tambem todos os seus adornos,<br />

do que ningnem se surpreendeu, e do que me nao deu nenhuma<br />

explica~ao. Nos dias segnintes, uma versiio muito dlferente<br />

do acontecimento com~ou a ser veiculada pelos Tarunde.<br />

£:stes diziam que, sob a aparencia de suas rela~es com 0<br />

outro mundo, 0 chefe com~ara a tratar com 0 bando de<br />

indios que acampava na vizinhan~a. Essas insinua~oes DaD<br />

foraID, de resto, jamais desenvolvidas, e a versao oficial do<br />

assunto continuou ostensivamente admitida. Nao obstante, em<br />

conversas particulares, 0 chefe tarunde deixava transparecer<br />

suas preocupa!:iles. Como os dois grupos nos deixaram pouco<br />

depois, jamais vim a saber do fim da hist6ria.<br />

:Esse incidente, junto com as observa~es precedentes, me<br />

inciton a refletir s6bre a natureza dos bandos nhambiquara e<br />

sobre a influencia politica que os chefes podem exercer no seu<br />

seio. Nao ha estrutura social mais fragi! e efemera que a<br />

do bando nhambiquara. Se 0 chefe parecer demasiado exigente,<br />

se reivindicar para si meSilla mulheres demais, ou se<br />

se mostrar incapaz de dar uma solu~ao satisfat6ria ao problema<br />

do reabastecimento em periodo de fome, 0 descontentamenta<br />

surgira. Individuos, ou famUias inteiras, separar-se-iio<br />

do grupo e Irao juntar-se a outro de melhor reputa~ao. Pode<br />

acontecer que este bando tenha uma alimenta~ao mais abundante,<br />

gra~as a descoberta de novos terrenos de ca~a ou de<br />

coleta; ou que se tenha enriquecido em ornamentos e em<br />

i~strumentos por trocas comerciais com grupos vizinhos, au<br />

amda que se tenha tornado poderoso depots de uma eXpedi~ao<br />

vitoriosa. Dia vira em que 0 chefe se encontrara a testa de<br />

urn grupo reduzido demais para enfrentar as dificuldades.<br />

cotidianas e para proteger suas mulheres contra a cobi~a de<br />

estranhos. Nesse caso, nao tera outro recurso senao abandonar 0<br />

comando e aderir, com os seus liltimos companheiros, a uma<br />

fa~ao mais feliz. Ve-se, pois, que a estrutura social nhambiquara<br />

vive em estado fluido. 0 grupo se forma e se desorganiza,<br />

cresce e desaparece. No intervalo de algnns meses sua composi~ao,<br />

Sens efetivos e sua distribui~ao podem tor~ar-se irreconheciveis.<br />

Intrigas polftlcas no interior do mesmo bando<br />

e conflitos entre baodos vizinhos determinam 0 ritmo a essas<br />

varia!:iles, e a grandeza e decadencia dos indivlduos e dos<br />

grupos se sucedem de maneira as vezes surpreendente.<br />

Em que bases se opera, entao, a reparti~o em bandos?<br />

De um ponto de vista econ&mico, a pobreza em reeursos naturais<br />

e a grande superffcie necessaria para alimentar urn indivfduo<br />

durante 0 periodo nOmade, tornam quase obrigat6ria<br />

a dispersao em pequenos grupos. 0 problema nao e conhecer<br />

o "porque" dessa dispersao, mas 0 "como". No grupo inieial,<br />

ha homens reconhecidos como chefes: sao eles que constituem<br />

os nucleos em tOrno dos quais os bandos se congregam. A<br />

imporHlncia do bando, seu carater mais ou menos permanente<br />

durante urn perlodo dado sao fun~ao do talento de cada<br />

urn desses chefes para eonservar a sua categoria e melhorar<br />

a sua posi~ao. 0 poder politico nao surge como urn resuitado<br />

das necessidades coletivas; e 0 pr6prio grupo que recebe os<br />

seus caracteres: forma, volume, origem mesmo, do chefe potencial<br />

que Ihe preexiste.<br />

Conheci bern dois desses chefes: 0 de Utiariti, cujo bando<br />

se chamava Waklet~u; e 0 chefe tarunde. 0 primelro era<br />

notavelmente inteligente, consciente de suas responsabilidades,<br />

ativo e engenhoso. Antecipava as conseqiiencias de uma situa~ao<br />

nova: estabelecia urn itlnerario especialmente adaptado<br />

as minhas necessidades; descrevia-o, se necessario tra­<br />

{'ando urn mapa na areia, Quando chegamos it. 'sua ~ldeia,<br />

:ncontramos as estacas destinadas a amarrar os animais, que<br />

ele mandara plantar por um grupo enviado oa frente, sem<br />

que eu 0 tivesse pedido.<br />

E urn precioso informante, que compreende os problemas,<br />

percebe as dificuldades, interessa-se pelo trabalho; mas suas<br />

fnn~5es 0 absorvem, desaparece durante dias inteiros na ca~a,<br />

~u SOlU~U<br />

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