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336 O. LEVI-STRAUSS<br />

tern 0 poder, mas deve ser generoso. Tern deveres, mas pode<br />

obter diversas mulheres. Entre He e 0 grupo estabelece-se<br />

um equilibrio perpilluamente renovado de prestag5es e de<br />

priviIegios, de servi~os e de obrigacj)es.<br />

~Ias, no caso do casamento, passa-se alguma coisa alem<br />

disso. Concedendo 0 priviIegio poligftmico a seu chefe, 0 grupo<br />

troca os elementos individuuis de seguram;u, garantidos pela<br />

regra monogAmica, por uma seguranra coletiva, esperada da<br />

autoridade. Cada homem recebe sua mulher de outro homem,<br />

mas 0 chefe recebe diversas mulheres do grupo. Em compensa~ao,<br />

oferece uma garantia contra a necessidade e 0<br />

perigo, nao aos individuos com cujas irmas ou filhas, ele se casa,<br />

nero meSillO aos que se virem privados de mulheres em conseqiiencia<br />

do direito poligamico; mas ao grupo considerado como<br />

urn todo, porque e 0 grupo considerado como urn todo ~ue<br />

suston em seu proveito 0 direito comum. Essas reflexoes<br />

podem apresentar interesse para urn estudo te6rico da poligamia;<br />

mas, sobretudo, lembram que a conce~o do estado<br />

como urn sistema de garantias, renovada pelas discussOes sobre<br />

urn regime nacional de seguro (tal como 0 Plano Beveridge<br />

e outros), nao e urn desenvolvimento puramente moderno. E<br />

urn retorno A natureza fundamental da organiza~ao social e<br />

politica.<br />

Tal e 0 ponto de vista do grupo s6bre 0 poder. Qual e,<br />

agora, a alitnde do proprio chefe diante da sua fun~ao? Que<br />

m6veis a levam a aceitar urn encargo que nem sempre e<br />

agradavel? 0 chefe nhambiquara vii impor-se-Ihe nm papel<br />

dificil; ele nao deve poupar-se para manter a sua posi~ao.<br />

Mais ainda se nao a melhora constantemente, corre 0 riSCO<br />

de perder ~ que levon meses ou anos para conquistar. Assirn<br />

se explica que muitos homens se furtem ao poder. Mas, porque<br />

outros a aceitam e ate 0 procuram? It sempre dificil<br />

julgar os moveis psicologicos, e a tarefa se torna quase impassivel<br />

em presen~a de uma cultura muito diferente da nOssa.<br />

Entretanto, pode-se dizer que 0 priviIegio polig§..mico, qualquer<br />

que seja 0 seu atrativo do ponto de vista sexual, sentimental<br />

au social seria insuficiente para inspirar uma voca~ao. 0<br />

casament~ polig§.mico e uma condi~ao tecnica do poder; lile<br />

nao pode ter, sob 0 Angulo das satisfa~oes intimas, senao urn<br />

significado acess6rio. Deve haver qualquer outra coisa; quando<br />

tentamos rememorar os tra~os morais e psicol6gicos dos<br />

diversos chefes nhambiquara e quando procuramos igualmente<br />

surpreender os malizes fugilivos de sua personalidade (que<br />

TRISTES TR6PICOS 337<br />

escapam A amllise cientifica, mas que recebem urn valor do<br />

sentimento intuitivo da comunica~o humana e da experiencia<br />

da amizade), sentimo-nos imperiosamente conduzidos a esta<br />

conclusao: ha chefes porque ha, em qualquer grupo humano,<br />

homens que, diferentemente de seus companheiros, gostam<br />

do prestigio em si, sentem-se atraidos pelas responsabilidades,<br />

e para os quais a carga dos neg6cios pllblicos traz consigo<br />

mesma a sua recompensa. Essas diferen~as individuais sao<br />

certamente desenvolvidas e praticadas pelas diversas culturas,<br />

e numa medida desigual. Mas a sua exist~ncia, numa sodedade<br />

tao pouco animada pelo espirito de competi~ao quanto a<br />

sociedade nhambiquara, sugere que sua origem nao e inteiramente<br />

social. Elas fazem antes parte desses materiais psico­<br />

16gicos brutos com os quais Wdas as sociedades se edificam.<br />

Os homens nao sao todos semelhantes, e mesmo nas tribos<br />

primitivas, que os soci6logos descreveram como esmagadas<br />

por uma tradi~ao todo-poderosa, essas diferen~as individuais<br />

sao percebidas com tanta finura, e exploradas com tanta aplica~ao,<br />

quanta na nossa civiliza~ao chamada "individualista".<br />

Sob outra forma, era bern esse 0 "milagre" evocado por<br />

Leibniz a prop6sito dos selvagens americanos cujos costumes.<br />

narrados pelos antigos viajantes, the haviam ensinado a "jamais<br />

tomar por demonstrag5es as hip6teses da filosofia politica".<br />

Quanto a mim, f6ra ate ao fim do mundo em busca<br />

do que Rousseau chamou "as progressos quase insensiveis dos<br />

come~os". Por detras do veu demasiado erudito dos Caduveo<br />

e dos Bororo, prosseguira a minha procura de urn estado que<br />

- dizia ainda Rousseau - "nao existe mais, talvez jamais<br />

existisse, que provAvelmente nao existira jamais e do qual e<br />

entretanto necessario ter no~oes exatas para bern julgar do<br />

nosso estado presente". Mais feliz do que lile, eu acredilava<br />

have-Io descoberto numa sociedade agonizante, mas de que<br />

era imitil indagar se representava ou nao urn vestigio: tradi~<br />

clonal ou degenerada, ela me punha apesar de tudo em presen~a<br />

de uma das formas de organiza~ao social e politica mais<br />

pobres que seja possivel conceber. Eu nao tinha necessidade<br />

de me dirigir A hist6ria particular que a mantivera nessa<br />

condi~ao elementar ou que, mais verossimilmente, para ela<br />

a reconduzira. Bastava considerar a experiencia sociol6gica<br />

que se desenrolava sob os meus olbos.<br />

Mas era ela que se furtava. Eu procurara uma sociedade<br />

reduzida it sua expressao mais simples. Ados Nhambiquam<br />

0 estava a tal ponto que nela so eneontrei homens.<br />

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