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346 O. LEVI-STRAUSS TRISTES TROPICOS 347<br />
encontrava-se urn negro chamado Bahia, comerciante ambulante<br />
urn pouco aventurelro que reallzava todos os anos uma<br />
viagem prodigiosa: descia ate ao Madeira para adquirir mercadorias<br />
nos entrepostos ribeirinhos, subia 0 Machado de<br />
piroga e, durante 2 dias, 0 Pimenta Bueno. Ai, uma pista<br />
que conhecla permltla-lhe arrastar durante 3 dlas as plrogas<br />
e as mercadorias atraves da floresta, ate urn pequeno afluente<br />
do Guapore, onde podia vender 0 seu estoque a pr,,!:os tilo<br />
mais exorbitantes quanta a regHio em que desembocava nao<br />
era abasteclda. Bahia se declaron dlsposto a sublr 0 Plmenta<br />
Bueno aMm do seu ltinerario habitual, com a condl!:lio de<br />
en paga-Io em mercadorias, DaD em dinheiro. Boa especula<br />
~ao para eIe, ja que os pr"!:os amaz6nicos do atacado sao<br />
superlores aDs· que en tinha pago por minhas compras em<br />
Sao Paulo. Cedi-Ihe, pois, diversas P"!:as de flanela vermelha<br />
de que estava enjoado desde que, em Vilhena, tendo oferecido<br />
uma aos Nhambiquara, tive ocasiilo de ve-los no dia segninte<br />
cobertos de flanela vermelha dos pes il. cab,,!:a, inclusive os<br />
cachorros, macacos e caetetus domesticos; e verdade que uma<br />
hora depois, esgotado 0 prazer da farsa, os peda~s de flanela<br />
vermelha se arrastavam pelo mata oude mais ninguem queria<br />
saber deles.<br />
Duas pirogas emprestadas do p&;to, quatro remadores e<br />
dais dos nossos homens constituiam nossa equipagem. Estavamos<br />
de partida pronta para essa aventura improvisada.<br />
Nao ha perspectiva ra 0 etn6grafo que<br />
a de ser 0 r iro branco a ~netrar numa com ade<br />
indigena. a em 1938 es a recompensa suprema nao se pOdia<br />
obter s~ao em algumas regioes do mundo, tao raras que se<br />
podiam contar nos dedos da mao. Desde entao, essas possi~<br />
bilidades limitaram-se ainda mais. Eu revivia, pois, a expe,<br />
riencia dos antigos viajantes, e, atraves dela, esse momento<br />
crucial do pensamento moderno em que, gra!:Rs as grandes<br />
descobertas, uma humanidade que se julgava completa e acabada<br />
recebia de repente, como uma contra-revela~ao, a notfcia<br />
de que nao estava s6, era uma pe~a de urn conjunto mais vasto,<br />
e que, para se conhecer, devia primeiro contemplar a sua<br />
imagem irreconhecfvel nesse espelho de que uma parcela esquecida<br />
pelos seculos ia, para mim sozinho, lan~ar seu primeiro<br />
e illtimo reflexo.<br />
Usava-se ainda esse entusiasmo no seculo XX? Por menos<br />
conhecidos que f&ssem os indios do Pimenta Bueno, en<br />
nlio poderia esperar di;Ies 0 choque sentido pelos grandes<br />
autores: Lery, Staden, Thevet, que, ha 400 anos, puseram 0 pe<br />
em territ6rio brasileiro. 0 que viram entao, nossos olhos<br />
jamais perceberao. As dviliza~oes que foram os primeiros<br />
a considerar tinham-se desenvolvido segundo linhas diferentes<br />
das nossas, nem por isso haviam deixado de atingir tMa a<br />
plenitude e tOda a perfei~o compatfveis com a sua natureza,<br />
enquanto as sociedades que podemos estudar ainda hoie - em<br />
condi~es que seria ilus6rio comparar com as que prevaleciam<br />
ha 4 seculos - ja nao sao senao corpos debeis e formas<br />
mutiladas. Apesar das enormes distiincias e de tMa a sorte<br />
de intermediarios (duma estranheza por vezes desconcertante,<br />
quando se consegue restabelecer-Ihes a cadeia) forarn fulminadas<br />
por esse rnonstruoso e ineornpreensfvel catacUsma que<br />
foi, para uma larga e tao inocente fra~ao da humanidade, 0<br />
desenvolvimento da civilizaf$o ocidental; esta ultima erraria<br />
se esquecesse que ele Ihe den uma segunda fisionomia, nao<br />
menos veridica e indelevel que a ontra.<br />
A falta de homens, as condi~es da viagem eontinuavam<br />
as mesmas. Depois da desesperante cavalgada atraves do<br />
planalto, eu me proporcionava 0 encanto dessa navega~ao<br />
num rio prazenteiro, eujo curso os mapas ignoram, mas cujos<br />
mais intimos pormenores traziam A minha mem6ria a lembran~a<br />
de narrativas que me sao caras.<br />
Era preciso, primeiramente, recuperar a familiaridade<br />
eorn a vida fluvial, adquirida, tres aoos antes, no Sao Lonren~o:<br />
conhecimento dos diferentes tipos e meritos respectivos<br />
{fas pirogas - cortadas num troneo de arvore ou feitas de<br />
tabuas reunidas - que se chamam, segundo a forma e 0<br />
tamanho, montaria, canoa, uba ou igarite; 0 habito de passar<br />
horas acocorado na agua que se insinua atraves das fendas<br />
da madeira e que se esvazia continuamente com uma pequena<br />
eaba!:R; uma extrema lentidao e muita prud~ncia para eada<br />
movimento provocado pela anquilose e que pode fazer virar<br />
.a embarca~ao: agua nao tem cabelo; se se cai pela borda,<br />
Dada haverA em que se segurar; a paciencia, enfim, em cada<br />
acidente do leito do rio, de descarregar as provisoes e 0<br />
material tao minuciosamente arrumados, transporta-Ios para<br />
a margern roehosa juntamente com as Dlroga..g,. para recome~ar<br />
.a opera~ao algumas centenas de metrts adiante.<br />
:f:sses acidentes sao de diversos tipos: seeDs, leito sem<br />
.ligna; cachoeiras, rapidos; saltOS, quedas dagua. Cada urn e<br />
logo batizado pelos remadores com. urn nome evocador: sinal<br />
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