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o soneto brasileiro

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uma vez que a própria intradutibilidade impede que um <strong>soneto</strong> vertido<br />

pareça espelho do original. Que seria da adaptação que Monteiro Lobato<br />

fez de Lewis Carroll se ele não escapasse dos anglicismos no momento de<br />

repensar os jogos verbais? Uma versão ao pé da letra de "Alice no País<br />

das Maravilhas" ou de "Alice no País do Espelho" estaria duplamente<br />

condenada, pois nem seria especular, nem estetacular. Em termos<br />

poéticos, a faceta mais transparente dessa independência intelectual do<br />

tradutor está nas letras da música popular, que mais nitidamente<br />

evidenciam a liberdade lírica quando são vertidas em tom de paródia,<br />

como nas canções "In the Mood", de Joe Garland e Andy Razaf (que na<br />

versão de Aloísio de Oliveira, interpretada por Elza Soares, virou<br />

"Edmundo") ou "Chattanooga Choo Choo", de Warren e Gordon, na versão do<br />

mesmo Aloísio, interpretada por Carmen Miranda.<br />

[3.13.3] Os "defeitos" que Cruz Filho viu na tradução de Raimundo<br />

Correia ("omissões", "translações forçadas" e "fugas ao original") são<br />

discutíveis. E toda a discussão em torno da "fidelidade" ou da<br />

"transcriação", da "preservação do sentido" ou da "integridade formal"<br />

resulta em controvérsia estéril, com enorme desperdício de munição<br />

intelectual, quando a reduzimos a um singelo e elementar conceito, que<br />

se define em duas palavras: mote e glosa. Basta esta analogia,<br />

equiparando o original ao mote e a tradução à glosa, e toda essa<br />

polêmica se esvazia. De minha parte, se o sentido original se mantiver<br />

preservado, tanto melhor. Caso contrário, nada obsta que uma<br />

"interpretação feliz" o seja exatamente por "fugir" à idéia original.<br />

Portanto, opino que Correia está certíssimo, até porque o trabalho do<br />

tradutor não é mero rodapé, mera legenda, nem anotação à margem: é um<br />

poema autônomo, é um novo <strong>soneto</strong>, e seu criador (ou recriador) tem todo<br />

o direito de assiná-lo. Que o digam José Paulo Pais e Augusto de Campos,<br />

para não falar em causa própria.<br />

[3.19.1] Já que Cruz Filho dignou-se a lembrar Baudelaire, transcrevo<br />

aqui uma de minhas traduções favoritas, a de Ivan Junqueira para o<br />

<strong>soneto</strong> "Les Aveugles". Charles Pierre Baudelaire (1821-1867) foi<br />

anticonvencional em tudo: processado por obscenidade, usuário e<br />

apologista da droga, satanista imitado mundo afora (inclusive no Brasil,<br />

por Teófilo Dias), transitou entre temáticas violentamente românticas e<br />

formas esmeradamente parnasianas, no que abre caminho aos meandros<br />

simbolistas.<br />

LES AVEUGLES [original de Baudelaire]<br />

Contemple-les, mon âme!; ils sont vraiment affreux!<br />

Pareils aux mannequins; vaguement ridicules;<br />

Terribles, singuliers comme les somnambules;<br />

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