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o soneto brasileiro

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Não tenho alguém que, sádico, me prive<br />

do pão, da liberdade, ou que me bata,<br />

porém, do modo como me maltrata,<br />

meu dono acorda o escravo que em mim vive.<br />

O cara simplesmente tira a bota<br />

e manda-me lamber seu pé fedido,<br />

de cuja sola sujo suor brota!<br />

Com nojo, eu a princípio me intimido,<br />

mas logo me recordo da remota<br />

missão: lambendo, engulo meu ganido.<br />

[4.56] Pelo visto, o lirismo personalíssimo de Quental, inquieto e<br />

perturbador, incomoda especialmente aos parnasianos, que repelem<br />

qualquer poesia subjetivista como sendo uma "confissão pública das<br />

angústias da alma". Ora, ainda bem que os portugueses não se deixaram<br />

levar tão extremamente, como no Brasil, por aquele parnasianismo oco e<br />

meramente exibicionista de "cultura histórica", no caso a erudição<br />

mitológica, helênica ou bíblica, que só se prestava à pintura ou à<br />

escultura de neutras telas verbais ou estátuas discursivas, sem a mínima<br />

preocupação introspectiva ou confessional do poeta.<br />

[4.62/73] Concordo que, ao listar sonetistas mais recentes nas letras<br />

lusas, Cruz Filho inclua algumas figuras femininas, mas poderia ter<br />

incluído muitas mais. Basta, contudo, a menção de Florbela Espanca para<br />

que seu inventário não perca a validade. Todavia, esqueceu-se o autor de<br />

citar Cesário Verde entre as figuras masculinas. Já que, de nenhum dos<br />

dois, Cruz Filho mostraria algum <strong>soneto</strong> mais cru, faço-o aqui, dando um<br />

exemplo de cada (além do transcrito em 2.68/69.3), para contrastar o<br />

feminismo daquela com o machismo deste, ainda que ambos se revelem<br />

anticonvencionais até como representantes do feminismo ou do machismo.<br />

CRUCIFICADA [Florbela Espanca]<br />

Amiga... noiva... irmã... o que quiseres!<br />

Por ti, todos os céus terão estrelas,<br />

Por teu amor, mendiga, hei-de merecê-las<br />

Ao beijar a esmola que me deres.<br />

Podes amar até outras mulheres!<br />

- Hei-de compor, sonhar palavras belas,<br />

Lindos versos de dor só para elas,<br />

Para em lânguidas noites lhes dizeres!<br />

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