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com que ela vivia a sonhar em Jacarecanga. Uma vida de<br />
cinema. Festas com gente bem vestida, perfumes, jazz com<br />
pretos que tocam saxofone, coquetéis, rapazes atrevidos,<br />
automóveis, clubes, piscinas... Chinita não pode gozar de tudo<br />
isto simplesmente. Não sabe aceitar a realidade como um fato<br />
consumado e natural. É preciso comparar, imaginar... Quando<br />
em Jacarecanga dançava com os caixeirinhos do comércio no<br />
Recreio, ela entrecerrava os olhos e se imaginava num centro<br />
maior, num baile mais fino; em vez das paredes sem graça do<br />
clube, via espelhos que refletiam caras novas, diferentes e<br />
bonitas; em vez do Lucinho da Loja Central, quem estava<br />
dançando com ela era um moço elegante e educado da capital,<br />
que falava em livros, em viagens e usava perfumes caros.<br />
Agora aqui no salão do Metrópole, para melhor gozar da festa,<br />
Chinita precisa imaginar que está em Hollyw ood. Não é<br />
difícil... Basta olhar para Salu, para os garçons de dinnerjacket<br />
(o Cel. Pedrosa quando os viu deu uma risada — hê! hê!<br />
— e perguntou se os coletinhos dos garçons eram de morim),<br />
para o jazz, (o garçon traz os Martinis) para os coquetéis...<br />
Chinita toma um gole. Gostar propriamente dessa bebida<br />
ela não gosta. Mas coquetel é algo de tão chique, lembra<br />
tantos filmes...<br />
— Que tal? — pergunta Salu.<br />
— O. K.! — responde ela, contente por se ter lembrado de<br />
dizer oquêi, como nas fitas americanas.<br />
— E a farra na segunda-feira? — Salu lança a pergunta e<br />
encosta a cabeça na coluna. Uma pergunta ociosa, por pura<br />
falta de assunto, pois aqui em público não é possível beijar e<br />
apertar a namorada.<br />
— A farra lá de casa? Sai sempre na segunda e eu conto<br />
contigo...<br />
— Se você prometer ser boazinha comigo, eu vou.<br />
— Talvez...<br />
Chinita aproveita a oportunidade para retribuir o<br />
talvez...<br />
— Com promessas vagas não conte comigo.<br />
— E que é que queres dizer com “ser boazinha”?<br />
Salu agora se inclina para a frente, como quem vai fazer<br />
uma confidência. O seu rosto se fixa numa expressão decidida.<br />
As sobrancelhas grossas se cerram de maneira a ficarem<br />
quase unidas. Com um sorriso de canto de lábios, ele sugere:<br />
— Um passeio pelo parque, só nós dois. Tenho uma coisa<br />
muito importante pra te dizer...<br />
Chinita sente-se embalada ao som desta voz. Tudo isto é<br />
tão bom, tão parecido com o cinema...<br />
Os olhos de Salu brilham de desejo.<br />
Batem à porta.<br />
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