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Caminhos Cruzados - Erico Verissimo

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— Não me queiras mal. Eu te prometo um gozo tão<br />

grande, tão intenso...<br />

A palavra gozo gera na cabeça de Salu uma visão tão<br />

perturbadora que de repente ele tem vontade de derrubar a<br />

mesa e devorar Chinita a beijos. Todo o discurso preparado se<br />

perde, e ele exclama numa surdina apaixonada:<br />

— Chinita, vamos até o meu apartamento, por favor!<br />

Ela sente o choque da surpresa. No apartamento dele?<br />

— Mas Salu!<br />

— Aqui é impossível conversar...<br />

— Mas... mas Salu!<br />

Ela não atina com dizer outra coisa.<br />

— Lá ninguém nos vê. Ficamos à vontade. Eu te mostro.<br />

Oh! Deixa disso, vamos embora.<br />

A persuasão se vai transformando em raiva. A ternura se<br />

funde com um desejo animal. Agora ele só vê em Chinita a<br />

fêmea convidativa que não merece gastemos com ela palavras<br />

escolhidas, a fêmea que deve ser submetida à força.<br />

Chinita franze a testa, relutando.<br />

— Vamos embora!<br />

Os dedos de Salu se crispam em torno do pulso da moça.<br />

Ao contato quente, à pressão forte, Chinita sente um<br />

formigamento estranho no corpo. No entanto ontem tudo foi<br />

tão sem gosto, tão desagradável... Mas esta excitação está de<br />

novo a lhe dizer que existe um prazer misterioso que ela ainda<br />

não conhece, um gozo doido que estará um dia a seu alcance.<br />

E como Salu fica bonito e tentador assim de testa franzida,<br />

olhos brilhantes, boca retorcida! Como lhe fica bem este ar<br />

autoritário...<br />

— Que mais tens a perder? — continua ele, brutal. —<br />

Vamos!<br />

— Mas...<br />

— Olha, rapariga. — A palavra rapariga magoa de leve<br />

Chinita que reconhece nela uma significação pejorativa. Mas a<br />

mágoa é um pingo dágua naquele deserto escaldante. — Olha,<br />

rapariga — repete ele — tu pensas que sempre vais ter dezoito<br />

anos? E esse corpo bonito? E esses olhos? E esses seios? Não<br />

demora muito e estás franzida, murcha, velha (Salu vai num<br />

crescendo), horrorosa! E que fizeste da tua mocidade? (Repete<br />

a frase dum romance que leu recentemente. O herói se<br />

chamava Henry e a sua técnica de conquista era esta: mostrar<br />

à mulher desejada que a vida passa, o corpo envelhece e o<br />

milagre da mocidade não se repete.)<br />

Chinita fica olhando para Salu. Nunca o viu tão<br />

entusiasmado. Será mesmo que ele a ama de verdade?<br />

Silêncio breve.<br />

— Então? — torna a perguntar ele. — Vamos ou não<br />

vamos?<br />

E os seus olhos se fixam insistentemente no rosto de<br />

Chinita. E ela sente que vai ceder, não por causa das palavras,<br />

que mal e mal ouviu; não por causa do fantasma da velhice,

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