24.11.2018 Views

Caminhos Cruzados - Erico Verissimo

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Chinita mostra-lhe a tela. É uma paisagem: telhados e,<br />

por cima dos telhados, um céu distante de outono; no primeiro<br />

plano, roupas coloridas a secar, pendentes duma corda.<br />

Zé Maria examina a paisagem, carrancudo. Depois decide:<br />

— Acho que esse troço ficava muito bom se não tivesse<br />

essas roupas secando nas cordas. Onde é que se viu roupa<br />

secando na sala de jantar? Eu sou um homem rude mas<br />

compreendo as coisas.<br />

Vera explode numa gargalhada. Chinita se torce de riso.<br />

— Ora, papai — diz. — Se a coisa é assim, onde é que<br />

vamos botar os nus?<br />

O coronel não se perturba:<br />

— Os pelados? — pergunta. — Pois botem eles no quarto<br />

de banho!<br />

Solta a sua risada gutural em hê. Continua a ler o jornal.<br />

“Com a presença do que a nossa sociedade possui de<br />

mais representativo, inaugura-se hoje o luxuoso e<br />

confortável palacete que o Cel. José Maria Pedrosa,<br />

capitalista residente nesta cidade, mandou construir<br />

para a sua Exma. família nos Moinhos de Vento.”<br />

Zé Maria goza. A notícia é um estimulante, ele se ergue,<br />

lépido, e vai gritar na cozinha:<br />

— Quantos croquetes fizeram? quinhentos? Mas é muito<br />

pouco. Mandem buscar mais duzentos na confeitaria.<br />

Faz novas recomendações sobre o champanha. “Quero da<br />

estranjera” — especifica.<br />

Duas mulheres de vestido arregaçado lustram o parquê.<br />

Um homem sem casaco passa carregando às costas uma<br />

barra de gelo. O pintor alemão dá o último retoque na pintura<br />

da parede do hall. E vem vitorioso, para o coronel:<br />

— Eu não lhe disse? Terminei ou não terminei?<br />

— Terminou — concorda Zé Maria. — Mas eu só sinto<br />

vocês não terem pintado as vacas como eu pedi. Ficava bonito,<br />

assim dourado...<br />

Uma criada vem dizer que o chá está pronto. Chinita<br />

convida:<br />

— Vera, vamos nos preparar pra o chá?<br />

— Vamos.<br />

Sobem. No quarto, Chinita senta-se na cama, corada do<br />

esforço que acaba de fazer. A sua pele morena é um contraste<br />

com o pijama escuro. Os seus seios rijos sobem e descem como<br />

que querendo furar a seda. Vera senta-se também na cama e<br />

contempla a amiga longamente, pensando coisas... Chinita não<br />

sabe a força que possui, com estes olhos, este corpo... Pena é<br />

que não tenha compostura: muito intempestiva, meio<br />

selvagem, demasiadamente preocupada com artistas de<br />

cinema. Diz asneira com facilidade, faz criancices. No entanto<br />

é tão atraente, tão apetitosa, tão...<br />

— Estou sem coragem... — murmura Chinita.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!