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fora de casa e eu caí na vida.” Mas Cacilda não. É um mistério.<br />
Nunca se queixa... Ah! Se ele fosse mais velho, tivesse um bom<br />
emprego, tirava Cacilda do beco, levava-a para uma casinha<br />
limpa e quieta, onde os dois vivessem felizes.<br />
Pedrinho olha para o teto, onde uma aranha cinzenta<br />
procura atrair uma mosca. A cena é divertida. Mas dentro de<br />
poucos segundos Pedrinho esquece mosca e aranha para pensar<br />
de novo em Cacilda. Tem a impressão de que está vendo<br />
aqueles olhos verdes, sentindo o contato daquela pele, o bafo<br />
quente daquela boca, ouvindo a voz macia dizer: “Olá, nego!”<br />
Remexe-se na cama.<br />
Mas é uma loucura. Os amigos já descobriram a paixão e<br />
fazem troça dele. E se mamãe descobrir? E se Fernanda<br />
desconfiar?<br />
Pedrinho se levanta.<br />
Mas enfim Cacilda é ser humano como os outros. Ele tem<br />
visto muita mulher casada inferior a ela. Que diabo! Paixão é<br />
coisa que pode acontecer a qualquer um...<br />
Abre a gaveta da mesinha de cabeceira. Sacode a caixa<br />
de charuto. Aqui está o dinheiro com que vai comprar um<br />
colar Sloper para ela. Mais dois mil-réis, e ficarão completos<br />
os seis...<br />
Na janela do alto da casa fronteira aparece um vulto: o<br />
professor.<br />
A voz de D. Eudóxia:<br />
— Pedrinho! Fernanda! Está na hora de vocês saírem<br />
para o emprego. O professor já apareceu na janela.<br />
Pedrinho veste o casaco com preguiça. Fernanda larga do<br />
livro e vai empoar o rosto.<br />
O ruído surdo e ritmado da cadeira de balanço continua.<br />
O professor olha a rua.<br />
Na porta da sua sapataria, Fiorello descasca uma laranja.<br />
Um cachorro magro e pelado senta-se-lhe aos pés e ergue o<br />
focinho para o italiano, pedinchão. Um automóvel passa. Uma<br />
criança de dois anos, muito crespa, corre até a sarjeta, com as<br />
calças caídas e a cara lambuzada de caldo de feijão, e fica<br />
sentada à beira da calçada, muito quieta e atenta, como se<br />
estivesse assistindo a um espetáculo interessante. Na frente<br />
do seu mercadinho, o árabe Said Maluf conversa<br />
animadamente com um ambulante. De sua janela, o Cap. Mota<br />
grita para o vizinho:<br />
— Lindo veranico de maio!<br />
E do outro lado vem a resposta:<br />
— É verdade! Que Deus o conserve!<br />
Clarimundo olha para a casa fronteira. A velha de preto<br />
está na cadeira de balanço, que oscila como um berço. A moça<br />
bonita e o rapaz barulhento estão descendo a escada, saem<br />
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