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— Podem falar, minha filha, tu compreendes...<br />
Sim, ela compreende. Podem falar, podem maliciar.<br />
Encontros com o rapaz numa praia. Camaradagem com uma<br />
pessoa do outro sexo. Ela compreende...<br />
— Mas quem é que pode falar?<br />
D. Eudóxia deixa cair a colher de sopa.<br />
— O povo, a sociedade.<br />
Fernanda ri com gosto.<br />
— A sociedade? A bela sociedade que freqüentamos? Mas<br />
que coisa ridícula, mamãe, que coisa ridícula! A senhora ainda<br />
não se convenceu de que somos pobres e que não temos<br />
sociedade?<br />
Pedrinho está demasiadamente entretido no macarrão<br />
para prestar atenção “àquelas besteiras”.<br />
— Mas minha filha, os vizinhos. ..<br />
— Não me mates... Olha que eu posso ter uma<br />
congestão...<br />
Na realidade, Fernanda não acha muita graça na história.<br />
Mas é preciso fingir esta alegria, esta despreocupação, Elas<br />
são uma armadura, a defesa que tem oposto sempre ao<br />
fatalismo da mãe.<br />
— Se ao menos vocês fossem noivos...<br />
Fernanda trincha a carne, ausente. A mãe continua a<br />
lengalenga.<br />
— Estas visitas que ele te faz... Não sei, não acho<br />
direito... Conversas na escada, no corredor escuro...<br />
— Ele não vai me comer...<br />
E Fernanda tem a certeza inabalável de que Noel não é<br />
capaz de comer ninguém.<br />
— Ele está aproveitando, está te desfrutando...<br />
Fernanda sorri.<br />
— Moça rica, quando cai na boca do povo não perde nada.<br />
Continua indo a baile e no fim acha casamento. — Suspira,<br />
toma uma colherada de canja. — Mas moça pobre (sua voz aqui<br />
ganha a consistência pastosa da canja) quando é falada, fica o<br />
mesmo que mulher à-toa...<br />
Fernanda adota outra tática. Descobre que a melhor<br />
arma para se defender da mãe é o silêncio.<br />
“Mulher à-toa.” Pedrinho ouviu isto e agora não pode<br />
mais governar os pensamentos. Baixa a cabeça para o prato.<br />
Lembra-se de Cacilda. Pela primeira vez depois que ele está à<br />
mesa, a imagem dela lhe assalta a mente. A recordação<br />
daquela noite lhe vem, nítida, e parece que ele sente, ouve e<br />
vê... Foi há três meses. Nunca tinha estado com mulher<br />
nenhuma. Todas as suas tentativas para acalmar os primeiros<br />
pruridos sexuais tinham sido solitárias. Mas era preciso<br />
conhecer o amor de verdade. No entanto, tinha medo.<br />
Contavam coisas horríveis: doenças, deformações, mulheres<br />
que judiam com os rapazes inexperientes... Ele só tinha<br />
dezesseis anos. Não podia ir atrás do que diziam certos<br />
companheiros que tentavam tirar-lhe o temor: