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mesmo Katie.<br />
Agora estamos em pleno reino das fadas. Noel se perde<br />
e m Wonderland. A infância ressurge. As flores e os bichos<br />
falam. Tudo encontra expressão. Os balões sobem e atingem a<br />
Lua. As fadas velam o sono das crianças. Branca de Neve é<br />
encontrada pelos anões. O Pequeno Polegar achou a sua bota<br />
de sete léguas e segue numa viagem impossível. O Chapelinho<br />
Vermelho encontra o lobo na floresta...<br />
O disco continua a girar e o sonho se prolonga. Madrinha<br />
Angélica surge com a sua cara preta, lustrosa e feliz, contando<br />
histórias. Noel agora tem sete anos e escuta.<br />
“Era uma vez um rei muito rico que tinha uma filha<br />
muito bonita.”<br />
Lá fora a noite adormece todas as coisas. O luar é frio,<br />
as sombras são mais negras que madrinha Angélica.<br />
— Dindinha Angé, conta a história do Pinitim.<br />
O carão gordo reluz, os dentes brancos parecem luas<br />
contra o céu da noite, e a voz rouca e funda da dindinha negra<br />
conta:<br />
— Pois diz que era uma veiz um menino muito ladino que<br />
se chamava Pinitim. Pinitim na noite de S. João se escondeu<br />
dentro dum balão muito grande e quando soltaram ele, Pinitim<br />
foi junto, subiu e foi parar na Lua. Lá na Lua tudo era feito de<br />
açúcar. Moravam lá uns homens meio bichos meio gentes que<br />
falavam uma língua que Pinitim não entendia. Quando viram<br />
Pinitim cercaram ele, começaram a dançar e fazer troça do<br />
pobre do menino. Vai então Pinitim começou a chorar. Tava<br />
com fome e não sabia dizer na língua daquela gente: “Quero<br />
comê.” Pinitim não sabia das coisas porque na Lua tudo era<br />
trocado, tudo era diferente. Então Pinitim foi emagrecendo,<br />
emagrecendo, minguou dum jeito que veio um bicho e comeu<br />
ele. (Os olhos do menino Noel estão arregalados de susto.) Mas<br />
Pinitim se acordou e viu que tudo tinha sido um sonho.<br />
Dindinha preta solta uma risada.<br />
Um acorde mais forte apaga a visão. Noel fica atento à<br />
música. Por trás da melodia há um chiado permanente que<br />
lembra o coaxar longínquo de sapos. É um ruído que Debussy<br />
não escreveu mas que está ali no disco, como parte da música.<br />
A melodia continua, Os sapos insistem no seu coral<br />
dissonante.<br />
Lá fora a tarde vai envelhecendo, a luz aos poucos se<br />
amacia, um vento brando começa a soprar. Sons moles no<br />
quintal: o chape-chape da água da manga contra os canteiros<br />
de relva.<br />
Noel remergulha em seus pensamentos. Vê mentalmente<br />
a cabeça estranha de Debussy, que começa a se balouçar dum<br />
lado para outro ao compasso da música.<br />
Noel vai caindo aos poucos num estado de modorra<br />
vizinho do sono. A melodia é um rio transparente que corre ao