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— À das onze.<br />
D. Maria Luísa olha em torno, procurando um pretexto<br />
para ser infeliz, um motivo para censura, uma razão para<br />
zanga. Tudo está em ordem. O vestido verde que a filha usou<br />
no baile da noite anterior acha-se em cima da cadeira. Os<br />
sapatos, ao pé da cama, junto com os chinelos debruados de<br />
arminho. Os frascos de creme e perfume do penteador estão<br />
numa relativa ordem. Que milagre — pensa D. Maria Luísa. E<br />
sente-se muito triste e contrariada por não encontrar à vista<br />
motivo para tristeza e contrariedade.<br />
— Dormiste bem? — pergunta, numa tentativa<br />
derradeira para achar uma irregularidade. Porque se Chinita<br />
diz que dormiu mal, estará aí a deixa para ela maldizer os<br />
bailes que terminam tarde, a vida desregrada dos filhos, a<br />
sociedade, o mundo, tudo!<br />
Mas Chinita, bocejando por pura faceirice, respondeu<br />
tranqüilamente:<br />
— Dormi como um anjo.<br />
D. Maria Luísa suspira.<br />
— Por que não levantas? Já passa das dez.<br />
Chinita recosta a cabeça na guarda da cama.<br />
— Não, quero que mandes trazer o café aqui...<br />
D. Maria Luísa sacode a cabeça. Em Jacarecanga, Chinita<br />
não dizia tu — dizia senhora. Não tomava café na cama às dez:<br />
pulava às oito e ia tomar café com todos na mesa da varanda.<br />
— Minha filha, não te acostumes mal, por que não vais<br />
tomar café lá embaixo com todos?<br />
Chinita insiste. Quer porque quer. Pode ser feio, pode ser<br />
mau costume, mas é como ela tem visto no cinema. As criadas<br />
de manhã trazem o breakfast no quarto, as estrelas lêem<br />
revistas, dizem good morning. Tão bom, tão bom poder fazer o<br />
mesmo!<br />
D. Maria Luísa sai, resmungando. Pode apertar a<br />
campainha e chamar a criada. Mas não. Não quer. Prefere<br />
convencer-se de que a casa não é sua, de que ela é uma<br />
estranha debaixo deste teto, de que é uma mártir, um<br />
estorvo...<br />
Vai pessoalmente à cozinha e, sem dar ouvidos aos<br />
protestos solícitos e delicados da camareira, ela mesma faz o<br />
café e trá-lo numa bandeja, com torradas, até o quarto da<br />
filha.<br />
— Mamãe! Mas a senhora! Ora!<br />
Chinita se surpreende. A sua surpresa é metade natural,<br />
metade cinematográfica.<br />
Em silêncio D. Maria Luísa põe a bandeja sobre a mesade-cabeceira<br />
da filha e retira-se, sem dizer palavra.<br />
Passando pela porta do quarto do filho, bate. Não<br />
respondem. Torna a bater. Nenhuma resposta. Abre a porta<br />
devagarinho. O quarto está escuro. Ela entra. A princípio as<br />
coisas estão sumidas na escuridão. Mas aos poucos os olhos de<br />
D. Maria Luísa se vão afazendo à escuridade e da sombra geral