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Caminhos Cruzados - Erico Verissimo

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— Até que enfim! — exclama o coronel, olhando para o<br />

filho que vem descendo a escada.<br />

Três dias sem aparecer em casa. Com efeito!<br />

— Onde é que andou, menino? — pergunta.<br />

Manuel coça a cabeça, testa enrugada, a boca torcida,<br />

um ar de cansaço e aborrecimento. E diz num tom sonolento:<br />

— Por aí...<br />

Vai até a cristaleira e despeja num copo a água da jarra<br />

de prata.<br />

— Por aí, onde?<br />

— Por aí...<br />

Bebe com sofreguidão, até a última gota.<br />

Zé Maria contempla o filho. Nos seus olhos não há a<br />

menor reprimenda. Quando se é rapaz... E depois, mesmo<br />

quando se está começando a envelhecer, todos fazem das<br />

suas...<br />

— Pai, estou precisando duns cobres...<br />

— Ai-ai-ai...<br />

— Deixa disso, passa o dinheiro...<br />

— Mas...<br />

Manuel estende a mão. Zé Maria vai fazer uma<br />

observação, tentar um sermão. Mas nos olhos do rapaz ele vê<br />

que o filho sabe de tudo. Não pode deixar de saber. Talvez já<br />

tenha dormido com Nanette.<br />

— Quanto queres, maroto?<br />

— Quero a cara do Zé Bonifácio...<br />

— Uma pelega de quinhentos?<br />

Manuel sacode a cabeça afirmativamente.<br />

Não há remédio. Estes meninos agora tomam conta da<br />

gente. Anda tudo de pernas para o ar. Antigamente, lá em<br />

Jacarecanga, eles tinham respeito. Papai, posso ir ao cinema?<br />

Papai, me dá cinco mil-réis? Papai, o senhor deixa eu sair com<br />

a Ernesta? Papai isto, papai aquilo... Hoje Chinita sai sem dizer<br />

aonde vai, Manuel passa três dias sem aparecer em casa... E<br />

preciso ajeitar esta droga de novo. Assim não está direito.<br />

E interiormente Zé Maria faz planos de botar a casa nos<br />

eixos, fazer voltar o antigo respeito, restabelecer a autoridade<br />

paterna. Mas hoje não. Fica para amanhã. Tem tempo.<br />

— Toma, safardana — diz sorrindo e passando para o<br />

filho uma cédula de quinhentos mil-réis.<br />

Manuel contempla com simpatia o retrato do Patriarca.<br />

Depois, amarrotando a nota, mete-a no bolso e se vai.<br />

103<br />

Pedrinho consegue licença para sair mais cedo da loja.<br />

Vai agora abrindo caminho por meio da multidão que<br />

formiga nas calçadas e no centro da rua.<br />

Depois que a gente trabalha um dia inteiro e que sai<br />

para a rua, de tardezinha, fica tonto no meio do tumulto.

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