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Caminhos Cruzados - Erico Verissimo

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Uma mulher como centro de suas atenções, e a sua vida toda<br />

se desenrolando em função da conquista. Depois, a posse,<br />

noites e dias de delírio, até o dia em que ao despertar ele<br />

descobre que está achando tudo muito aborrecido e sem<br />

imprevisto.<br />

Mas Chinita — reflete Salu tirando a roupa para entrar<br />

para baixo da ducha do chuveiro — Chinita ainda é senhora...<br />

Que surpresa! A provinciana tola lhe aparece agora sob um<br />

aspecto novo. Despida de roupas e de atitudes falsas, ela<br />

apenas é uma fêmea deliciosa, encantadora na sua<br />

inexperiência, submissa, paciente, dócil...<br />

Salu tem uma idéia... O dia está bonito. Podiam combinar<br />

um passeio de automóvel... Nu e alvoroçado, corre para o<br />

telefone.<br />

O sol do meio-dia elimina as sombras.<br />

João Benévolo caminha à toa. Não tem coragem de<br />

tornar à casa com as mãos vazias. Desde que saiu pela manhã<br />

ainda não aconteceu nada fora de sua cabeça. Dentro dela ele<br />

já achou emprego, salvou uma criança que se afogava no lago<br />

do parque, ganhou uma recompensa em dinheiro... Fora, só o<br />

dia luminoso, os ruídos da rua: nada mais.<br />

João Benévolo senta-se no banco duma praça e fica<br />

pensando. O chão está cheio de folhas secas. As árvores<br />

desgalhadas recortam contra o céu o rendilhado de seus<br />

ramos. Um cachorro se deita num canteiro de relva.<br />

Acariciado pelo sol, João Benévolo vai ficando numa<br />

dormência preguiçosa, esquecido de tudo, nem feliz nem<br />

infeliz — simplesmente esquecido.<br />

O corpo de Maximiliano está agora em cima da mesa da<br />

sala maior, coberto com algumas flores. Quatro velas ardem. A<br />

mulher continua firme, perto do defunto, como esteve firme<br />

perto do doente. De vez em quando chega um conhecido. O<br />

cheiro da sala é nauseante. O rosto de cera do morto está<br />

levemente azulado.<br />

D. Eudóxia, enrolada no seu xale, abraça a viúva e dá-lhe<br />

pêsames. Fica por um instante olhando para o cadáver e<br />

depois vai sentar-se a um canto.<br />

Um velório! Dum modo obscuro e subterrâneo esta cena<br />

não deixa de constituir para ela uma alegria. Sempre vai aos<br />

velórios, quando pode, embora não conheça a família do<br />

morto. Um hábito. Também não perde agonia de doente. Sentiu<br />

muito não assistir à de Maximiliano. (Também não sei por que<br />

não me chamaram...)<br />

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