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Bastava perguntar se o rapaz queria chá...<br />
— Ué... eu...<br />
— Eu sei. Ficou se oferecendo...<br />
O mais enervante é que Querubina não reage. Fica assim<br />
indiferente, nem embaraçada nem cínica, ouvindo<br />
simplesmente sem se ofender, com ar de quem está falando<br />
com um louco: concordando para não irritar...<br />
— Tire a mesa, sua indecente.<br />
Silenciosa, a rapariga começa a retirar as xícaras da<br />
mesa. Inclina-se para apanhar o bule e Virgínia vislumbra o<br />
rego entre os seios dela, fundo e sombrio como um vale entre<br />
dois montes rígidos. Sim, rígidos, pois ali estão dois seios de<br />
vinte anos. Uma raiva vai crescendo, enovelada, no peito de<br />
Virgínia.<br />
— Sua vagabunda, você devia estar mas era no beco,<br />
ouviu? No beco!<br />
Querubina sai em silêncio, carregando a bandeja.<br />
Agora volta ao pensamento de Virgínia a imagem<br />
fascinante; a cara morena, os dentes brancos, o cigarro<br />
fumegando, os olhos brilhantes por trás da fumaça...<br />
O relógio bate cinco badaladas. E depois que os sons de<br />
sino morrem, Virgínia tem uma consciência ainda mais aguda<br />
do silêncio que a envolve.<br />
Solidão.<br />
Mesmo que aqui junto dela estivessem o marido e o filho,<br />
ela continuaria só, irremediavelmente só.<br />
Silêncio.<br />
Virgínia fica parada, esperando... Mas esperando quê?<br />
De repente sente-se tomada duma angústia opressiva: um<br />
calor no peito, uma vontade de gritar, uma impressão de<br />
abafamento, de fim de mundo.<br />
Onde foi que já sentiu uma coisa assim?<br />
Num sonho? Virgínia procura lembrar-se. Foi no tempo<br />
de colégio. Uma tarde, no internato, esmagada pelos muros<br />
altos, pelo silêncio e pela saudade do ar livre, começou a<br />
sentir aquela sensação esquisita... E fugiu, fugiu porque se não<br />
fugisse morria asfixiada depois da mais lenta e medonha das<br />
agonias.<br />
Virgínia corre para o telefone, faz o disco girar quatro<br />
vezes e leva o fone ao ouvido.<br />
— Alô. É a casa de Mme Menezes? Chame-a ao aparelho...<br />
— Pausa. Virgínia espera, impaciente. — Ah! És tu, querida?<br />
Bem... Nada... Telefonei porque estou sozinha e queria ouvir<br />
voz de gente. Fico quase maluca. Não imaginas... Olha, vais<br />
hoje ao baile do Metrópole? Pois nos encontraremos lá. Estou<br />
aflita por ver festa, barulho, movimento. Hein? Não ouço... Ah!<br />
Pois sim...<br />
O diálogo dura dez minutos. Depois Virgínia sobe para o<br />
quarto. Ao passar pelo escritório, cuja porta está aberta,<br />
desvia o rosto com repugnância, pois o vento lhe traz lá de<br />
dentro um cheiro familiar, enjoativo, — o cheiro do marido.