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Caminhos Cruzados - Erico Verissimo

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entrou: elas lhe dão uma espécie de medo... São tão grandes,<br />

para tão pouca gente... E a idéia de que tudo isso foi um<br />

desperdício a acompanha por toda a parte, como uma obsessão<br />

angustiante. O mais horrível ainda são os dourados da mobília<br />

Luís XV. Ela tem a impressão de que aquilo é ouro legítimo,<br />

maciço. A sala toda é um pesadelo. Os espelhos que há pelas<br />

paredes, numa profusão desconcertante, a assustam. Os<br />

jarrões, que se erguem nos quatro cantos, com pinturas<br />

delicadas são como punhaladas. Podem quebrar, de tão<br />

delicados... Uma porta que bata com mais força, um descuido,<br />

um pontapé, um soco... Para que tudo isto? E o banheiro?<br />

Ladrilhos coloridos, pias verdes, torneiras niqueladas,<br />

bugigangas que a gente nem sabe para que são. Só o relógio<br />

custou uma fortuna. No entanto — pensa D. Maria Luísa com<br />

dor de coração — não anda melhor nem mais certo do que o<br />

velho relógio que batia, humilde, na sua salinha de jantar da<br />

casa de Jacarecanga. Quando se lembra de sua terra, D. Maria<br />

Luísa tem vontade de chorar. Já lá vão dois anos! No princípio,<br />

foram os hotéis. Ela preferia sempre comer no quarto,<br />

(Chinita gostava do salão geral, exibida e assanhada!) tinha<br />

vergonha das pessoas que olhavam o jeito como a gente come.<br />

Depois, em hotel de cidade, há um talher para cada coisa,<br />

nunca se sabe como usá-lo. Os criados eram atenciosos mas<br />

não faziam nada sem gorjeta. Para ela, cada gorjeta que se<br />

dava era um talho que ela recebia na sua carne de mártir.<br />

Onde se ia parar com tanta despesa? Zé Maria falava nos “dois<br />

mil pacotes” da loteria, batia no bolso, prosa. Manuel e Chinita<br />

andavam soltos pelos cinemas e cafés. Ela preferia ficar no<br />

quarto do hotel. Todo o mundo procurava Zé Maria. “Coronel,<br />

compre um auto!” “Coronel, compre uma casa!” “Coronel,<br />

compre um rádio.” E a cada oferecimento D. Maria Luísa<br />

sentia um calafrio, como se o marido já tivesse feito a<br />

compra, irremediavelmente. Depois veio a idéia infeliz de<br />

fazer este casarão. Setecentos contos! Que desperdício! Um<br />

parque que dava para invernar gado. Um casarão que servia<br />

para quartel. E este luxo sem serventia, esta criadagem<br />

enorme, esta loucura...<br />

D. Maria Luísa caminha pela casa, como uma visão.<br />

Sobe ao quarto da filha. Bate. Lá de dentro vem a voz<br />

dela.<br />

— Come in!<br />

Entra.<br />

— Que foi que disseste?<br />

Chinita explica:<br />

— Come in, como no cinema.<br />

D. Maria Luísa sacode a cabeça, desolada.<br />

Chinita está na cama, lendo uma revista de<br />

cinematografia. Seu quarto é todo bege, desde os móveis até a<br />

pintura das paredes. Ela ainda está por baixo das cobertas,<br />

metida no seu pijama de seda preta com debruns vermelhos.<br />

— Não vais à missa? — pergunta a mãe.

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