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Caminhos Cruzados - Erico Verissimo

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alguma coisa, baixinho. A mulher se inclina para ouvir. A voz<br />

dele é um sopro:<br />

— Eles deviam estar dormindo...<br />

Ela sai para ir levar os filhos para a cama.<br />

Maximiliano compreende que o fim não tarda. E espera.<br />

Os convidados cercam as mesas de doces e de frios,<br />

comem, falam, bebem, riem. Uma senhora gorda diz que tem<br />

raiva de quindins. Um rapazola de óculos confessa que adora o<br />

manjar-branco. Um senhor calvo mente que nunca comeu fios<br />

de ovos.<br />

Há uma rapariga bochechuda que parece ter jurado<br />

demolir a pirâmide de croquetes. Outros preferem fazer<br />

alpinismo nas montanhas dos sanduíches. Os criados passam<br />

com garrafas de champanha envoltas em guardanapos, e vão<br />

enchendo as taças.<br />

Vera mastiga miudinho um sanduíche. Armênio olha<br />

para-a flor mais fina e dileta do seu jardim social e pede<br />

licença para se servir dum pepininho.<br />

— Veja a evolução dos costumes sociais, senhorita Vera.<br />

Vera continua a mastigar, muito distante do sanduíche e<br />

do admirador. O seu pensamento voa para o salão. Chinita<br />

deve estar com aquele odioso Salu, confundidos os dois num<br />

abraço apertado, como no fundo da piscina. A idiota não<br />

compreende que está sendo arrastada, que fatalmente terá de<br />

se arrepender um dia...<br />

Armênio continua a falar sobre a evolução dos costumes<br />

sociais:<br />

— Antigamente era feio misturar bailes com comidas.<br />

Uma taça de champanha no máximo. Hoje, não... Fazem-se<br />

jantares-dançantes e é com a maior displicência que o<br />

cavalheiro e a dama deixam o salão para ir comer sanduíches<br />

e croquetes com a mão. A senhorita gosta deste costume?<br />

Gosta?<br />

A pergunta insistente desperta Vera, que volta ao mundo<br />

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dos frios e de Armênio:<br />

— Gosto, mas prefiro os de patê.<br />

— Não. Eu estou falando é dos costumes sociais<br />

modernos...<br />

— Ah!<br />

A orquestra toca um samba. Froide — pensa Armênio —<br />

absolument froide. Comme une statue de marbre... E mastiga<br />

o seu pepininho, desconsoladamente.<br />

Noel e Fernanda conversam sentados nos degraus da<br />

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