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Caminhos Cruzados - Erico Verissimo

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muito carminados — exibe uma gabardina que os vendedores e<br />

os fabricantes garantem que é impermeável. Qual<br />

impermeável qual nada! — pensa Armênio. Ele já teve uma<br />

que tomou chuva, deixou passar a água e encolheu.<br />

No fundo da vitrina, um espelho. De súbito, no meio dos<br />

chapéus, Armênio dá com uma fisionomia conhecida. Olá! E vê<br />

que a sua gravata está um pouco torta — que horror! Corrige<br />

a laçada, puxa um pouco para baixo a aba do chapéu, mira-se<br />

por alguns instantes mais e continua o seu caminho.<br />

As fachadas das casas estão alegres, batidas de sol.<br />

As torres da Igreja do Rosário se recortam contra o azul,<br />

e o vento faz rodopiar mansamente os galos dos cataventos.<br />

Vendo as torres, Armênio pensa em D. Dodó e no motivo<br />

principal que o trouxe à rua. Toma o rumo do edifício dos<br />

Correios e Telégrafos.<br />

Ao guichê, pede um papel e rabisca o telegrama:<br />

D. Dodó Leitão Leiria.<br />

Av. 13 de Maio 2654.<br />

Respeitoso venho depor vossos pés meus afetuosos<br />

cumprimentos motivo seu natalício, fazendo votos vida<br />

perene e feliz.<br />

DR. ARMÊNIO ALBUQUERQUE<br />

Relê o telegrama, satisfeito. Risca seu e escreve vosso,<br />

para ficar tudo direitinho.<br />

O empregado do telégrafo não aceita a emenda.<br />

Levemente contrariado, Armênio passa a limpo o telegrama e<br />

substitui afetuosos por respeitosos. Mas descobre a seguir que<br />

a palavra respeitoso já foi escrita e amassa, quase irritado, o<br />

papel. Na terceira tentativa, vence. Paga, mete o recibo no<br />

bolso e sai para a rua. Na praça, admira os ombros de atleta<br />

da estátua do Barão do Rio Branco, pensa nas vantagens e<br />

glórias da carreira diplomática e a seguir se entrega todo em<br />

pensamento à sua esquiva, exquise Vera.<br />

Hoje à noite, na recepção de Mme Leitão Leiria, como<br />

me tratará a ingrata?<br />

De repente, Laurentina sentiu o que nunca tinha sentido<br />

em toda a sua vida: uma coisa estranha que lhe subia no peito,<br />

cada vez maior, mais quente, mais forte — uma coisa que se<br />

continuasse presa dentro dela era capaz de dilacerar-lhe as<br />

carnes.<br />

E, sem pensar no que fazia, como que levada por uma<br />

força misteriosa, ela avançou para o marido de mãos erguidas<br />

e punhos cerrados.<br />

— Pamonha! Nulidade! Água-morna!<br />

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