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Caminhos Cruzados - Erico Verissimo

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garçon chega com os coquetéis bem no momento em que<br />

entra na sala um homem alto, de sobretudo escuro.<br />

E a idéia de o recém-chegado ser um conhecido que pode<br />

sair a contar que a viu sozinha numa casa de chá com um<br />

homem — quebra o encantamento de Chinita, que esquece<br />

Hollyw ood.<br />

— Salu, e se alguém nos vê aqui?<br />

Outra vez a provincianazinha — pensa ele.<br />

— Que mal faz?<br />

A palavra mal lembra a Chinita o que aconteceu ontem.<br />

Ela se cala mas seus olhos dizem tudo. Salu compreende.<br />

Ergue o cálice.<br />

— Saúde!<br />

Bebe. Chinita o imita. A conversa das inglesas ganha<br />

vida. O homem de sobretudo escuro pede um chá com torradas<br />

em voz alta.<br />

Os olhos de Chinita se fixam no rosto de Salu e estão<br />

perguntando: “E agora que vai ser de mim?”<br />

Inclinando-se bem para a frente como se fosse beijá-la,<br />

ele pergunta com voz macia:<br />

— Arrependida?<br />

Por um instante Chinita fica indecisa. Não esperava que<br />

ele tocasse no assunto assim desta maneira... Podia começar<br />

com rodeios. Arrependida?<br />

Ela sacode a cabeça, fazendo que não. Mas intimamente<br />

não sabe realmente o que sente. Aquilo tudo foi tão ligeiro,<br />

tão violento, tão doloroso, tão inesperado...<br />

E Salu (efeitos da bebida? sugestão do ambiente?) de<br />

repente dominado por uma onda de ternura, começa a falar.<br />

Ao mesmo tempo que fala se despreza a si mesmo por ser tão<br />

idiota, tão tolo, tão piegas.<br />

— Chinita, eu sei o que estás pensando de mim. Mas<br />

pouco me importa. Ainda hei de te provar que te amo de<br />

verdade.<br />

Amo... — pensa ela. — Nunca pensei que ele pudesse falar<br />

assim<br />

Ȧs inglesas pagam a despesa, amassam a ponta dos<br />

cigarros contra o cinzeiro, erguem-se e vão embora. Salu<br />

continua:<br />

— Não, nem podes imaginar o que é o amor. O que<br />

aconteceu ontem foi uma coisa brutal mas inevitável, (Como<br />

isto parece uma cena de romance barato! — pensa ele.) Mas tu<br />

vais ver... Eu te mostro. O amor é lindo, lindo mesmo. Não foi<br />

Deus que fez o amor? Pois tudo que Deus fez é bom...<br />

Para que meter Deus neste negócio? — pensa ela,<br />

defendendo-se contra a onda quente que também ameaça<br />

arrastá-la. Ela veio decidida a falar em casamento, em<br />

arranjar um meio de reparar o mal. No fim de contas, gosta de<br />

Salu, gosta de verdade. Por ele é capaz de todas as loucuras. E<br />

depois do que aconteceu, que loucura maior poderá cometer?<br />

A voz dele continua, envolvente:

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