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Maria Luísa ia até a cerca, gritava: Vizinha! e tudo se<br />
arranjava com facilidade.<br />
Zé Maria trabalhava de dia, voltava às oito, lavava os pés<br />
e depois jantava em mangas de camisa. De noite Chinita ia ao<br />
cinema com as filhas do coletor. Manuel ia jogar bilhar no<br />
café.<br />
O serão começava. Zé Maria ficava na cadeira<br />
preguiçosa, lendo os jornais. Às vezes aparecia seu Carvalho e<br />
jogava-se escova ou sete-belo. D. Maria Luísa fazia trabalhos<br />
de tricô: uma gravata para o Manuel, uma manta para o<br />
marido, uma blusa para a Chinita, um casaquinho para o bebê<br />
da D. Almira...<br />
Mas o fim do mês era uma tortura: cada conta que<br />
aparecia doía como uma punhalada. A cada pagamento D.<br />
Maria Luísa tinha a impressão de que lhe arrancavam do corpo<br />
uma nesga de carne.<br />
Sofria. Zé Maria queixava-se de que os negócios iam mal.<br />
Às vezes as horas de refeições eram pontilhadas de suspiros.<br />
Os meninos, esses conversavam, indiferentes. Ah! como a<br />
mocidade de hoje é diferente da do meu tempo!<br />
Chinita queria ser artista de cinema. Manuel tinha<br />
vontade de conhecer a capital. Zé Maria afogava as suas<br />
preocupações no pratarrão de feijoada.<br />
E a vida ia passando. Todos unidos. Graças a Deus eram<br />
só quatro! — pensava D. Maria Luísa. Seria pior se houvesse<br />
oito bocas para alimentar... Mesmo assim a preocupação de<br />
economia era permanente. Chegava a pensar numa situação<br />
ideal em que as pessoas não precisassem de comer nem de<br />
vestir. Assim todo o dinheiro iria para um cofre, ficava ali<br />
aumentando dia a dia. E seria um gosto olhar para ele todas as<br />
manhãs.<br />
Zé Maria passava o dia atrás do balcão. Dois quilos de<br />
açúcar! Três metros de morim! Um pacote de alfinetes! E o<br />
fantasma dos papagaios de banco avisando o vencimento das<br />
duplicatas.<br />
Às vezes o Madruga passava pela loja. Era um sujeito<br />
alto, magro, desdentado, calva enorme, olho malvado, voz dura.<br />
Andava sempre de palito na boca. Vivia a discutir com Zé<br />
Maria. No fundo, bons e velhos amigos. Mas era uma<br />
camaradagem que precisava ser alimentada com rusgas.<br />
Dentro de um ambiente de paz perfeita não floresceria... Zé<br />
Maria e Quirino Madruga discordavam sempre. Em política, em<br />
religião, em assuntos cotidianos, em tudo. As apostas se<br />
repetiam em torno das coisas mais triviais.<br />
— Amanhã chove.<br />
— Não chove.<br />
— Chove, não vê o céu?<br />
— Céu não regula.<br />
— Quer apostar como chove?<br />
— Topo! Vinte mil-réis.<br />
— Feito! Vintão.