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Caminhos Cruzados - Erico Verissimo

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ponto não tem razão.<br />

Clarimundo continua a sacudir a cabeça.<br />

A metade dessas histórias que os jornais contam são<br />

mentiras. Mentiras para chamar a atenção do público.<br />

— Meu primo Salvatore que mora em Nápoles me<br />

escreveu dizendo...<br />

— O seu primo nem podia dizer outra coisa. A censura<br />

não permitiria.<br />

— Mas que censura!<br />

Fiorello treme, vermelho, dá pequenos pulinhos, junta as<br />

mãos como quem vai orar e sacode-as, sempre juntas, diante<br />

do rosto do professor, repetindo a pergunta:<br />

— Mas que censura! Mas que censura!<br />

Clarimundo faz um gesto apaziguador.<br />

— Está bem. Não se exalte. Vamos dizer que alguma<br />

coisa do que se conta de Mussolini seja verdade.. .<br />

— Giá...<br />

Mais calmo, Fiorello torna a sentar-se.<br />

— Tudo isso está errado, seu Fiorello. E sabe quem é que<br />

vai aclarar a história? É o meu homem de Sírio.<br />

— O sírio?<br />

Clarimundo sorri, com benevolência.<br />

— Não, homem. Não. Eu explico. Estou escrevendo um<br />

livro. . .<br />

— O senhor mesmo?...<br />

— Sim, eu. Trata-se dum homem que lá de Sírio... O<br />

senhor sabe o que é Sírio? É uma das estrelas mais brilhantes<br />

do firmamento. Pois, como eu dizia, trata-se dum homem que<br />

lá de Sírio, por meio dum telescópio mágico, olha a terra e<br />

descobre a verdade das coisas.<br />

— Veja só...<br />

— Essas histórias todas de Mussolini, de crise econômica,<br />

de comunismo, tudo isso vai aparecer sob um aspecto novo.<br />

— Giá...<br />

— O meu homem de Sírio fará revelações sensacionais...<br />

— O senhor já botou tudo no livro?<br />

— Ainda não. Qualquer dia destes começo a escrever o<br />

prefácio da obra...<br />

Prefácio. Fiorello não entende mas sacode a cabeça,<br />

numa aquiescência.<br />

Clarimundo aproxima-se da janela, com um ar satisfeito<br />

e sereno fica contemplando o céu, como se fosse proprietário<br />

de todas as estrelas, de Sírio e das outras.<br />

O salão de festas do palacete do Cel. Pedrosa fervilha de<br />

convidados. As vozes se entrecruzam, emaranham e confundem<br />

dentro do dia artificial criado pelas lâmpadas invisíveis. A<br />

orquestra toca no hall estridente, abafando as badaladas do<br />

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