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Caminhos Cruzados - Erico Verissimo

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— Vim.<br />

— As coisas vão correndo mal, hein?<br />

João Benévolo tem vergonha de confessar a verdade.<br />

Mente:<br />

— Nem tanto. Tínhamos umas economias. Em todo o caso<br />

quando a gente está trabalhando, sempre é melhor, não é? —<br />

Fernanda sacode a cabeça. — Por isso vim falar com o seu<br />

Leitão Leiria.<br />

— Espere aqui que eu vou ver...<br />

Fernanda entra no escritório do patrão. João Benévolo<br />

olha em torno. A moça de óculos escreve por trás do seu vaso<br />

de flores.<br />

— Desculpe, D. Branquinha, eu não tinha visto a senhora.<br />

— Branquinha ergue os olhos e diz com indiferença:<br />

— Bom dia!<br />

Fernanda torna a aparecer:<br />

— Pode entrar.<br />

No seu embaraço, João Benévolo nem se lembra de<br />

agradecer a mediação de Fernanda. Entra no escritório de<br />

Leitão Leiria com o chapéu e o coração na mão.<br />

As poltronas de couro, as telas na parede, o tapete verde<br />

onde os pés afundam sem ruído — tudo isto concorre para<br />

aumentar o constrangimento de João Benévolo. Sentado à sua<br />

escrivaninha, Leitão Leiria fuma um charuto, muito teso na<br />

cadeira.<br />

— Às suas ordens.<br />

— Não vê que... — gagueja o recém-chegado — eu sou<br />

aquele que trabalhava na loja, na seção de armarinho...<br />

Os olhos de Leitão Leiria estão fitos nele.<br />

— Ah! Muito bem. Como vai o senhor? Queira sentar-se!<br />

Aponta para uma poltrona. Estas amabilidades<br />

surpreendem João Benévolo.<br />

— Fuma charuto?<br />

— Não, obrigado. Não fumo.<br />

Leitão Leiria atira uma baforada de fumo para o teto,<br />

reclina-se para trás na cadeira e pergunta:<br />

— Em que lhe posso ser útil?<br />

O seu rosto demonstra interesse. João Benévolo está<br />

encantado.<br />

— É que eu não arranjei emprego até agora. Se o senhor<br />

soubesse de alguma coisa... Algum amigo... Alguma outra casa<br />

que precisasse... Se não for possível, não faz mal, não quero<br />

que se incomode por minha causa... Mas acontece que estamos<br />

mal...<br />

Leitão Leiria fica pensativo por alguns segundos. Pega da<br />

carteira e diz:<br />

— Eu poderia auxiliá-lo com algum dinheiro...<br />

João Benévolo ergue-se num salto para imediatamente<br />

surpreender-se da impetuosidade de seu gesto.<br />

— Não — diz — muito obrigado. Não é dinheiro. Eu queria<br />

um emprego...

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