Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Pedrinho acelera o passo. Cabeças curiosas assomam às<br />
janelas.<br />
Passam pessoas comentando. Pedrinho ouve frases soltas.<br />
“Uma facada no peito...” “... o amásio fugiu...”<br />
De repente sente um amolecimento de pernas, uma<br />
opressão estranha no peito. Meu Deus, foi a Cacilda! Quer<br />
perguntar a alguém... Mas lhe falta coragem.<br />
Não há dúvida, a aglomeração é na frente da casa em<br />
que Cacilda mora. Vozes desencontradas, ordens gritadas. O<br />
carro da Assistência começa a gritar de novo, a multidão se<br />
parte, se afasta para os lados, como laranjas que rolam dum<br />
cesto que emborca. E o automóvel sai aos solavancos sobre o<br />
calçamento irregular.<br />
A multidão se dispersa. Parado a uma esquina, encostado<br />
a um muro, Pedrinho aperta no bolso o colar. O vento frio<br />
encanado no beco lhe chicoteia a cara.<br />
Um guarda passa calmamente, as mãos metidas no<br />
capote de mescla.<br />
Pedrinho caminha para ele:<br />
— Que foi que houve?<br />
O guarda, sem parar, responde seco:<br />
— Esfaquearam uma mulher.<br />
A voz de Pedrinho é um fio fino quando ele indaga, lábios<br />
trêmulos:<br />
— Como é o nome dela?<br />
O guarda dá de ombros e se vai.<br />
Pedrinho continua parado. A multidão se dispersa.<br />
Foi Cacilda — pensa ele. Ela sempre falava no amigo.<br />
Dizia que ele era ciumento, violento, mau. Foi Cacilda quem<br />
levou a facada. Decerto vai morrer. Morrendo, tudo acaba... O<br />
mundo não tem mais graça...<br />
Apertando no bolso o colar de seis mil-réis, Pedrinho<br />
começa a andar devagarinho. Psius e vozes abafadas brotam<br />
das janelas. A vida do beco recomeçou dentro da normalidade.<br />
Pedrinho vai seguindo como num sonho. Janelas com<br />
luzes vermelhas, caras pintadas, o vento, os homens que<br />
passam rindo e conversando alto.<br />
Finalmente — a casa de Cacilda. À porta, três mulheres<br />
conversam, comentando. Falam todas ao mesmo tempo,<br />
desencontradamente. Eu dizia sempre pra ela... Quando ouvi o<br />
grito corri e... Foi um susto... ela estava lavada em sangue...<br />
Eu sempre dizia... Homem comigo não tira farinha...<br />
Coitada, pegou o pormão...<br />
Pedrinho pára na frente da janela. Vontade de chorar, as<br />
mãos geladas, coração batendo com força.<br />
Na penumbra do quarto um vulto se agita. Um vulto que<br />
se vai definindo, familiar, contra o fundo de sombra. Uma<br />
figura calma que ali está com os olhos brilhando, a cabeça<br />
atirada para trás.<br />
— Cacilda!<br />
Os olhos de Pedrinho se turvam de lágrimas: outra vez a