24.11.2018 Views

Caminhos Cruzados - Erico Verissimo

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

de negros: um fox histérico e sacudido.<br />

— Vamos, Chinita! — convida Vera.<br />

Chinita olha para Armênio:<br />

— Então, doutor, vamos nadar?<br />

Armênio sente um leve mal-estar, pois não sabe nadar,<br />

nunca teve ocasião de aprender. Mete uma roupa de banho e<br />

entra na piscina porque isto faz parte de suas funções de<br />

jardineiro. Mas quanto a nadar...<br />

— Nadar propriamente, não nado... — explica ele,<br />

embaraçado.<br />

— Venham! — torna a gritar Vera.<br />

— Venham! — ecoa na mente de Armênio. Plural. Agora é<br />

um convite de Vera. Impossível recusar. Noblesse oblige...<br />

Com todo o cuidado, Armênio se ajoelha à beira da<br />

piscina e estica a perna esquerda, tomando a temperatura da<br />

água com o pé; vai afundando o pé, a perna, a coxa e depois,<br />

segurando-se nas bordas da piscina, deixa afundar mais da<br />

metade do corpo. (Estar na mesma água em que Vera está, ser<br />

acariciado pelas mesmas ondinhas que acariciam a epiderme<br />

de Vera... É uma comunhão, quase uma união... ) Armênio larga<br />

as bordas da piscina e afunda ainda mais. (Beber a água em<br />

que Vera se banha — eis o requinte dos requintes amorosos...<br />

Mas será que alguém mais hoje andou tomando banho aqui?<br />

Duvida. Oh! Le doute éternel!)<br />

Salu está com o rosto banhado de suor. Lustrosa e batida<br />

de sol, a sua pele parece mais morena. A bola zune dum lado<br />

para outro: as cabeças dos torcedores acompanham a bola.<br />

O adversário, do outro lado do campo, continua a jogar<br />

com calma. Corta a pelouse em diagonal com um pelotaço<br />

forte que passa rente à rede... Salu salta, num esforço<br />

supremo, estende o braço que tem na extremidade a raqueta,<br />

solta um gemido... mas erra o golpe. Game! O outro ganhou a<br />

partida.<br />

Salu atira a raqueta longe num gesto teatral. Ouvem-se<br />

risadas. Mas Salu em seguida se arrepende do gesto e vai<br />

apertar a mão do adversário. Os grupos se dispersam.<br />

Salu caminha para o vestiário. Uma bobagem: um jogo<br />

amistoso, coisa sem importância. Mas o fato de haver outras<br />

pessoas assistindo à partida consistia para ele uma obrigação<br />

tremenda de vencer. A derrota é amarga. Ele não sabe perder.<br />

Mas o amargo da derrota é instantaneamente esquecido,<br />

porque Salu de repente avista Chinita na piscina.<br />

— Alô! Chinita! — grita ele, levantando a raqueta no ar.<br />

Chinita se volta, põe-se na ponta dos pés, ergue as duas<br />

mãos e responde:<br />

— Alô! Vamos cair nágua!<br />

É uma declaração e um convite.<br />

Num segundo, Salu forma o plano:<br />

— Volto já! Vou trocar de roupa!

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!