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Caminhos Cruzados - Erico Verissimo

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34<br />

No terceiro andar do Edifício Colombo, no apartamento<br />

número 9, vê-se pregada à porta uma pequena placa esmaltada<br />

com estes dizeres:<br />

MLLE NANETTE THIBAULT.<br />

MANICURE.<br />

O subtítulo manicure é para tranqüilizar o Mascarenhas<br />

encarregado do edifício. Uma “mademoazela” sem profissão<br />

que mora em apartamento não pode ser boa coisa... As<br />

famílias podiam reclamar. O homem relutou em alugar o<br />

apartamento para a mulher loura e pintada. Ela gostou dos<br />

alojamentos. Custavam 600$000 por mês? Pois ela pagava<br />

700$000, contanto que lhe dessem o contrato. A casa era nova,<br />

confortável, os elevadores funcionavam bem, o ponto era<br />

central, o apartamento tinha o número de peças que lhe<br />

convinha... Mas Mascarenhas hesitava. O Cel. Zé Maria Pedrosa<br />

interveio conciliador.<br />

— A madama é séria — garantiu ele.<br />

E para tranqüilizar o Mascarenhas, acrescentou, num<br />

prodígio de cinismo:<br />

— Conheci a família dela.<br />

Na cidade do interior de onde Zé Maria viera, “conhecer<br />

a família” era o melhor dos documentos, a mais legítima das<br />

garantias. Mas o Mascarenhas estava duro:<br />

— Eu sei, coronel. Mas é que temos famílias que podem<br />

reclamar. Eu sei que a madama é boa... Se ao menos ela<br />

tivesse uma profissão...<br />

O coronel foi perdendo a paciência (tinha heróis<br />

farroupilhas no sangue) e, para não fazer uma violência,<br />

resolveu botar tudo em pratos limpos. Chamou o Mascarenhas<br />

para um canto e disse claramente:<br />

— Não gosto de falsidade. Essa madama é minha amásia.<br />

Mas lhe garanto que é acomodada. Aceite ela, homem. Eu pago<br />

oitocentos e respondo pelo que acontecer.<br />

Seu Mascarenhas, comovido pela franqueza, amoleceu um<br />

pouco. Mas ainda opôs obstáculos... A falta de profissão era o<br />

diabo...<br />

A francesa teve uma idéia. Sugeriu uma placa em que,<br />

por baixo de seu nome, viesse a palavra: manicure. Era uma<br />

profissão, ninguém podia dizer o contrário. O Mascarenhas<br />

achou a idéia muito boa e fechou o negócio. Manicure era a<br />

palavra mágica que haveria de apagar todos os pruridos de<br />

moralidade dos habitantes do edifício.<br />

Por trás dessa porta em que branquela a placa de<br />

letrinhas negras fica um pequeno hall, com um cabide de<br />

espelho: no cabide, o chapéu do Cel. Pedrosa. Depois do hall<br />

vem a sala de estar: um divã, duas poltronas, um abajur verde,

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