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viesse, pedisse uma coisa, olhasse bem para ele e dissesse:<br />
— Mas eu já vos vi. Onde foi?<br />
(João Benévolo não admite no mundo do romance outro<br />
tratamento que não seja o de vós.)<br />
— Eu também vos conheço. Não sois a Princesa Miriam?<br />
Os olhos dela se acenderiam. Sim, era a Princesa Miriam.<br />
E ele, quem era?<br />
— Sou o Príncipe Bey.<br />
Andava disfarçado, numa aventura tremenda.<br />
Conversariam. Combinariam um encontro à noite, num jardim,<br />
ao luar.<br />
Mas de repente uma voz estrugiu bem junto do ouvido<br />
dele. Vermelho, indignado, gesticulando, o gerente cresceu<br />
para cima do Príncipe Bey:<br />
— Seu Benévolo, então isso é jeito de tratar as<br />
freguesas! Seu... seu...<br />
Tremeu, tremeu e não disse mais nada. João Benévolo<br />
compreendeu o palavrão que ficou atravessado na garganta do<br />
gerente. A mulher de vermelho havia desaparecido.<br />
Laurentina ainda está a soluçar. João Benévolo não<br />
encontra palavras de consolo. Para ele tudo está<br />
irremediavelmente perdido. Sem emprego, sem dinheiro, sem<br />
esperança... Sem esperança? Secretamente, ele ainda espera<br />
um milagre, desses que acontecem nos romances.<br />
Por exemplo:<br />
Ele vai por uma rua, as mãos nos bolsos, assobiando<br />
triste, quando de repente o auto do prefeito surge numa<br />
esquina. Um bandido de emboscada levanta o braço na ponta<br />
do qual brilha um revólver. Ele compreende tudo num relance.<br />
Salta, agarra a mão do bandido, tira-lhe o revólver, subjuga-o...<br />
O automóvel grande pára, o prefeito desce e diz:<br />
— Salvaste-me a vida, patrício. Como te chamas?<br />
Abraços. Junta-se povo. Felicitações. Vivas. No dia<br />
seguinte aparece um homem solene:<br />
— Tenho a honra de comunicar que V. Excia. está<br />
nomeado para um cargo muito importante...<br />
Napoleãozinho solta um gemido que vem apagar a<br />
imagem do cavalheiro solene que trouxe a notícia do emprego<br />
salvador.<br />
O rosto de Laurentina, molhado de lágrimas, se volta<br />
para o filho:<br />
— Está doendo alguma coisa, meu filhinho?<br />
Napoleão fala tremido por entre soluços:<br />
— Tá... tá... doendo aqui...<br />
Põe a mão sobre o estômago.<br />
Laurentina levanta-se, beija o filho, puxa a coberta até o<br />
pescoço dele e se volta para o marido.<br />
— Janjoca, vai na farmácia.<br />
— Pra quê?<br />
— Traz elixir paringórico.<br />
— E o dinheiro?