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segunda-feira<br />
Segunda-feira.<br />
Vida nova — pensa João Benévolo, procurando iludir-se.<br />
E sai para a rua iludido. A manhã é toda um clarão azul e<br />
dourado. As pessoas que passam projetam uma sombra violeta<br />
na calçada. João Benévolo sai assobiando e procura pisar nas<br />
sombras. É uma brincadeira divertida, que lembra o tempo de<br />
criança em que ele e os guris da Padaria Trípoli ficavam na<br />
calçada apostando quem pisava mais tempo e mais vezes na<br />
sombra dos que passavam...<br />
Agora por causa das sombras João Benévolo pensa na<br />
infância e por causa da infância esquece as sombras.<br />
Eram cinco: os três filhos do dono da padaria e mais o<br />
mulato empregado dum oficial do exército. Organizaram uma<br />
quadrilha como no Mistério de Nova York. João Benévolo era o<br />
detetive. O mulato fazia o papel de chinês, os três italianinhos<br />
eram perigosos ladrões. Quando chovia, o bando se juntava no<br />
porão da padaria. João Benévolo levava os seus folhetins e lia<br />
em voz alta para os amigos. Lia e explicava. A chuva lá fora<br />
parecia uma cortina de fios de aço. O porão era maliluminado.<br />
Um toco de vela alumiava tremulamente as páginas<br />
do livro. Uma vez (que chuva inesquecível! os guris estavam<br />
deitados no chão, com os cotovelos fincados na terra e as<br />
mãos segurando a cabeça), João Benévolo leu as Vinte Mil<br />
Léguas Submarinas, e imediatamente eles transformaram o<br />
porão no Nautilus. Os homens, os carros e as carroças que<br />
passavam na rua sob a chuva eram tubarões, espadartes,<br />
baleias e polvos. Quando chegou a hora de escolher quem ia<br />
ser o Capitão Nemo, houve briga. Todos queriam encarnar o<br />
herói. Como não pudessem chegar a um acordo, separaram-se<br />
de relações estremecidas. João Benévolo passou três dias (que<br />
eternidade!) sem falar com os italianinhos da padaria. Mas<br />
uma tarde descobriu entre os livros velhos do pai um volume<br />
sem capa: O Homem Invisível. Esqueceu tudo e saiu a gritar<br />
para os vizinhos. “Pepino! Nino! Garibaldi! Venham cá, venham<br />
ver o que eu descobri!” Leu-lhes trechos do novo livro. E, lendo<br />
inventava coisas suas, colaborava com o autor, fantasiava,<br />
aumentava...<br />
João Benévolo pára a uma esquina.<br />
Para onde vou? O destino de sempre. Andar à toa,<br />
procurar os conhecidos, olhar os “precisa-se” dos jornais,<br />
sentar-se nos bancos da praça...<br />
Vai lhe pesando no bolso (como chumbo na consciência)<br />
o troco do Ponciano. Quinze mil-réis. Quinze mil-réis. Quinze<br />
mil-réis. As moedas tilintam, João Benévolo ouve o tinido<br />
alegre, que lhe impede de ignorar a existência do dinheiro.<br />
Não há de ser nada. Um dia ele encontra emprego, pega<br />
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