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Caminhos Cruzados - Erico Verissimo

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Vera é bela e educada. Sua família tem nome. A loja do<br />

velho prospera. (Armênio, como homem moderno, não despreza<br />

o dote. Não digo que um homem se case só por dinheiro. Mas<br />

quando pode unir o útil ao agradável, está claro que é<br />

melhor...) Haverá mais seguro partido para ele, para um<br />

bacharel, para um homem de futuro? Claro que não. Com o<br />

apoio de D. Dodó, que é um trunfo social, com o valor semioficial<br />

de Leitão Leiria, homem influente na política, provável<br />

futuro deputado — ele irá à Fama.<br />

Por ora Armênio contenta-se com ir até a janela.<br />

A chuva insiste.<br />

As três portas da loja de ferragens de Brito, Moura & Cia.<br />

se abrem para a rua reluzente de umidade. Passam vultos. Com<br />

intervalos longos cruzam bondes, barulhentos. Os caixeiros<br />

estão recostados ao balcão. De quando em quando pinga um<br />

freguês. As luzes acesas. Junto da registradora, a caixa — uma<br />

moça loura e nariguda — cochila.<br />

Pedrinho olha o relógio de parede: onze e meia.<br />

Como o tempo anda devagar nos dias de semana! Como<br />

corre aos domingos! Mana Fernanda também deve estar se<br />

aborrecendo no escritório. Mamãe decerto está na cadeira de<br />

balanço, encolhida debaixo do xale. E Cacilda?<br />

Uma ternura mole como a chuva, mas quente como um<br />

sol, lhe invade o corpo. Pedrinho fica olhando para a porta mas<br />

não enxerga a porta nem a rua. Esta na casa de Cacilda,<br />

deitado com ela na mesma cama, acariciando os cabelos dela.<br />

Parece que está vendo de verdade aqueles olhos verdes, aquele<br />

sorriso bondoso, aqueles seios miudinhos empinados, rijos, que<br />

ele já beijou quase chorando. Que bom se ela não fosse mulher<br />

da vida...<br />

Se em vez de se conhecerem no beco eles se tivessem<br />

encontrado num baile de gente direita, tudo seria diferente...<br />

Noivavam, casavam, tinham filhos...<br />

Por mais que faça, Pedrinho não pode afastar o<br />

pensamento de Cacilda.<br />

Antigamente gostava de andar pelos cinemas e pelos<br />

salões de bilhar com os outros rapazes. Agora só deseja que o<br />

dia passe, a noite chegue e a aula acabe para ele poder ir ver<br />

Cacilda. Por que é que ela não gosta de mim? Pedrinho sente<br />

que ela o trata bem por pena, só por compaixão, porque ele é<br />

um menino... Tudo hoje está mudado. Em casa já notaram o<br />

jeito dele. Qualquer dia lhe descobrem o segredo. Três vezes<br />

faltou à aula só para ir ver Cacilda mais cedo. E sempre tem<br />

de esperar porque ela está com outros homens. É horrível.<br />

— Seu Pedrinho!<br />

A voz do gerente da loja. Pedrinho se sobressalta.<br />

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