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ódio. Só os olhos de Noca é que a seguem com uma paixão<br />
servil e irritante de cão abjetamente fiel. Noel lhe foge<br />
sempre. Honorato a contempla com aquele ar tranqüilo de<br />
dono seguro de sua posse. A seu redor, nenhuma simpatia,<br />
nenhuma compreensão. Entre ela e todas as outras pessoas da<br />
casa, léguas e léguas de separação. Como fugir ao assédio do<br />
outro? Ê o único que a olha com ternura humana, o único que<br />
se interessa por ela. De resto, para que tantos escrúpulos? A<br />
vida passa, a velhice se aproxima. Por que não fazer uma<br />
escapada, já que viveu vinte e cinco anos acorrentada ao<br />
comerciante Honorato Madeira? Por quê?<br />
Mas a presença de Noel lhe cria uma inibição. Olhando<br />
para o filho, ela sente o absurdo de seu amor por Alcides. Noel<br />
apanha finalmente um livro e sai em silêncio.<br />
Longe dele, Virgínia sente-se mais à vontade.<br />
É preciso decidir: ata ou desata. Assim como está a coisa<br />
simplesmente não pode continuar.<br />
Mas outra dúvida lhe vem... Se o marido descobre? Enfim<br />
ela não pode ter com Alcides ilusões dum amor duradouro.<br />
Para ele tudo deve ser um capricho passageiro, uma<br />
extravagância... Honorato, de qualquer modo, é a garantia<br />
duma vida confortável: boa casa e bons vestidos, uma posição<br />
na sociedade, um lar.<br />
Mas que lar! Acaso isto merece o nome de lar? (Outra<br />
vez a revolta.) Uma casa assombrada, isso sim. Fantasmas por<br />
todos os cantos. O fantasma do marido, do filho, e o fantasma<br />
de tia Angélica, o mais pavoroso de todos, porque ainda<br />
assombra a alma de Noel.<br />
A porta da rua se abre.<br />
É Honorato que chega. Irritada, Virgínia sobe e vai<br />
fechar-se no quarto. Imagina a cara do marido: gorducha,<br />
imbecil, feliz. Como sempre ele dirá: Trabalhei como um<br />
burro! E estralará o seu chocho beijo matrimonial.<br />
No vestíbulo, Honorato Madeira tira as galochas, o<br />
impermeável e sai a gritar pela casa:<br />
— Gigina! Ó Gigina!<br />
Na sala de jantar do palacete do Cel. Pedrosa a ceia de<br />
Cristo do vitral hoje está apagada e sem fulgor.<br />
Servido o almoço. Os pratos fumegam, o coronel come<br />
com entusiasmo, na sua frente D. Maria Luísa, de cabeça baixa,<br />
olha o prato vazio.<br />
A criada entra para avisar:<br />
— D. Chinita diz que não quer almoçar.<br />
A cara de Zé Maria é toda um espanto:<br />
— Ué? Que será que ela tem?<br />
A mulher dá de ombros. A criada se retira.<br />
— E o Manuel? — torna a perguntar o coronel.<br />
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