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Caminhos Cruzados - Erico Verissimo

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No alpendre do clube há muita gente com roupas leves<br />

de verão em torno de mesas. Os garçons passam bandeados,<br />

erguendo mãos que seguram bandejas. Dum alto-falante<br />

escorre uma valsa de Strauss.<br />

Ao som da melodia, Armênio pensa em voz alta:<br />

— Esta música deliciosa é um convite à patinação.<br />

Invitation au patinage...<br />

E lembra-se imediatamente de que viu num filme<br />

alemão uma grande pista em Viena com várias centenas de<br />

pares, a deslizarem enlaçados ao som da valsa tocada por uma<br />

banda de música, no centro do redondel.<br />

Ninguém na piscina. A água está calma, transparente e<br />

riscada de sol.<br />

Vera e Chinita tiram os roupões.<br />

Merveille! — pensa Armênio — Salut, Aphrodite! Je suis<br />

enchanté, vraiment enchanté!<br />

O que o deixa enchanté são os dois pares de coxas que se<br />

revelam à claridade do dia, e que na rua e nos bailes se<br />

escondem por baixo dos vestidos de seda e que há pouco<br />

estavam tapados pelos roupões. Armênio sempre imaginou que<br />

fossem pernas lindas... Mas assim — fichtre! — com estas<br />

linhas, esta tonalidade... Ele sempre se orgulhou do método<br />

que rege todas as coisas de sua vida, até a função sexual. Je<br />

domine la bête qui habite en moi — costuma ele dizer aos<br />

amigos, no seu francês trôpego. Tudo nele obedece a um<br />

horário rigoroso. Chá com torradas pela manhã, um almoço<br />

sem farináceos ao meio-dia. (Il faut se soucier du corps.) Um<br />

lanche leve à noite, duchas frias pela manhã, todos os dias.<br />

Aos sábados, uma viagem a Citera (voyage à Cythére),<br />

escapadinhas inocentes: uma pensão discreta e fina, com luzes<br />

veladas, almofadas e perfumes, poupées pelos cantos,<br />

ambiente artistique. Mas só aos sábados. Durante os dias úteis<br />

o sexo é forçado (Ia volonté oblige) a ficar dormindo bem<br />

quietinho para que esteja desperto e ativo apenas o advogado<br />

e o gentleman, o homem que trabalha, que ganha l’argent e o<br />

cavalheiro que cultiva o seu jardim social. É um jardim onde<br />

há flores raras que necessitam de cuidado. As flores são as<br />

relações e Armênio as cultiva em fazendo visitas, enviando<br />

cartões e corbelhas por ocasião dos aniversários, ou dando<br />

pêsames, “sentidas condolências”... Mas todo o jardineiro tem<br />

uma flor predileta, uma flor que ele rega com mais carinho.<br />

Para Armênio a flor eleita é Vera. E agora, um pouco<br />

perturbado, ele está como um regador solícito, com o bico<br />

voltado para sua fleur exquise, despejando sobre ela um<br />

chuveiro de palavras amáveis:<br />

— Tenho a impressão de estar na Grécia... A sua<br />

companhia amável... Mlle Vera...<br />

Mas Vera e Chinita estão discutindo a água. Estará fria?<br />

Estará morna?<br />

Vera não pode esconder sua contrariedade. Pensava

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