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Mas Vera nem a escuta. Está a olhar para a outra com<br />
paixão, a olhar fixamente para os lábios dela, tentando<br />
espantar, afugentar um desejo que aos poucos se vai<br />
avolumando. Mas o desejo é uma onda que lhe sobe no peito,<br />
com uma força inexplicável. Estes lábios...<br />
De repente Vera segura com ambas as mãos a cabeça de<br />
Chinita e começa a beijar-lhe a boca com fúria. Perdendo o<br />
equilíbrio ambas tombam sobre a cama. Vera continua a beijar<br />
a amiga incessantemente, numa violência desesperada. Chinita<br />
sacode os braços, quase num abandono, surpreendida e ao<br />
mesmo tempo deliciada. Primeiro ri e pronuncia palavras que<br />
Vera lhe corta com beijos:<br />
— Lou...quinha! Cre...do!<br />
E depois se abandona toda às carícias da amiga, fecha os<br />
olhos e imagina que Vera é Salu.<br />
Batem na porta. As amigas se separam, rápidas.<br />
— Quem é? — pergunta Chinita.<br />
Uma voz do outro lado:<br />
— O chá está esfriando.<br />
— Já vamos.<br />
Agora Vera só tem vontade de bater em Chinita,<br />
esbofeteá-la. Olha-se no espelho do penteador: está corada e<br />
com a cabeleira revolta. Lavam e empoam o rosto em silêncio,<br />
penteiam-se e descem para a sala de refeições.<br />
D. Maria Luísa está sentada na sua cadeira, imóvel. Não<br />
toma parte nos preparativos. Não diz uma palavra. Lavra assim<br />
o seu protesto mudo contra o desperdício, contra a loucura.<br />
Para que festa? Para gastar. Para que tanta comida, tanta<br />
bebida? Só para botar dinheiro fora.<br />
Não. Ela lava as mãos, como Pilatos: Amanhã, quando<br />
todos estiverem na miséria, não podem lançar a culpa para<br />
cima dela.<br />
— Mamãe, venha para o chá!<br />
— Não quero.<br />
Não tomar chá também é uma forma de protesto.<br />
Chinita, Vera e o coronel sentam-se à mesa. Chá com<br />
torradas e presunto.<br />
No corredor do primeiro andar passa um vulto de pijama.<br />
É Manuel, que acaba de acordar. Está pálido, amarfanhado,<br />
barba a azular-lhe as faces. Vai com a toalha debaixo do braço<br />
na direção do quarto de banho.<br />
Por toda a casa vibra ainda a sinfonia dos martelos.<br />
No parque os eletricistas experimentam as lâmpadas<br />
novas. Mas a luz do sol anula todas as luzes menores.<br />
Fechado no quarto, Noel pega da pena e começa a lutar<br />
com a folha de papel em branco. Está resolvido a começar o<br />
seu romance. No fim de contas, quem tem razão é Fernanda. É<br />
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