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Caminhos Cruzados - Erico Verissimo

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negro, continuação do campo moreno que aparece numa<br />

amostra provocante do V do decote.<br />

Exatamente no momento em que os Leitão Leiria<br />

chegam, a orquestra rompe a tocar uma marcha. D. Dodó<br />

faiscante e perfumada, cumprimenta os conhecidos. Vera,<br />

muito empertigada e esguia no seu vestido de lamê prateado,<br />

parece uma figura do Vogue — como diz Armênio. Leitão<br />

Leiria sai do vestiário, arrumando a gravata e alisando depois<br />

com as palmas das mãos os cabelos ralos por cima da calva<br />

rosada e polida.<br />

Zé Maria vem ao encontro dos recém-chegados.<br />

— Boa noite! Boa noite! Pensei que não queriam vir à<br />

festa porque era em casa de pobre!<br />

Solta uma risada.<br />

Os Leitão Leiria respondem ao cumprimento. Casa de<br />

pobre? Oh! mesmo que fosse. Todos os homens são iguais. O<br />

que se olha não é o dinheiro mas sim a qualidade das<br />

criaturas. Que patife! — pensa Leitão Leiria com uma<br />

raivazinha fina mal contida. D. Dodó olha para o grande lustre<br />

do hall e lamenta que tanto dinheiro tenha sido empregado em<br />

coisas tão inúteis. Se em vez de comprar estas bugigangas<br />

pretensiosas o coronel desse o dinheiro às Damas Piedosas,<br />

ao asilo, à igreja... Mas imediatamente lhe vem à mente o que<br />

Teotônio lhe disse: Zé Maria vai fazer um donativo de<br />

25:000$0000 às obras da Catedral. Mas longe de gerar simpatia<br />

pelo doador, a lembrança cria na piedosa senhora uma espécie<br />

de ressentimento que é quase inveja.<br />

— Façam o favor de passar! Façam o favor.<br />

Zé Maria vai abrindo caminho. Chinita vem ao encontro<br />

da amiga. Vera estende os braços. Beijam-se.<br />

— Vem botar pó... não queres? — convida Chinita.<br />

Sobem a escada.<br />

— Onde andará a Maria Luísa! Diabo — exclama Zé Maria,<br />

olhando para os lados.<br />

— Não se incomode por minha causa — diz D. Dodó com<br />

ar evangélico.<br />

Leitão Leiria analisa as pinturas. Que indignidade!<br />

Desenhos em cores berrantes, douraduras. Está se vendo por<br />

todos os lados o gosto do novo-rico. Os pensamentos lhe<br />

fervem na cabeça.<br />

— Bebe um champanhazinho, patrício?<br />

O dono da casa sorri, gentil.<br />

— Aceito.<br />

Uma frase esplêndida para um artigo irônico a respeito<br />

dos novos-ricos canta no cérebro de Leitão Leiria: Por todos<br />

os cantos berliques e berloques, ouropéis e franjaduras,<br />

coruscações de ouro falso, mistura estonteante de estilos,<br />

falta de gosto e delírio de ostentação. O coronel grita para<br />

um criado que vai passando: “Êpa moço! Me traga duas taças<br />

de champanha.” — O artigo continua: E ele quer a todo custo

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