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“Bismarck”. E à sombra do Chanceler de Ferro, Bocaccio conta<br />
as suas histórias. (É preciso conhecer os clássicos.)<br />
D. Dodó pensa nos pobrezinhos da China, — um pra cima,<br />
uma laçada — no dia de amanhã, que naturalmente vai ser<br />
agitado — três pra baixo — felicitações, convidados para o<br />
almoço — um pra cima, uma laçada — recepção à noite...<br />
Vera boceja.<br />
Noel passou todo o dia a desejar esta hora. Agora os dois<br />
estão sentados na escada, o luar clareia a rua, D. Eudóxia se<br />
balança lá dentro na sua cadeira, o corredor está envolto<br />
numa doce penumbra. Como Fernanda fica bonita assim na<br />
meia-luz, como os seus olhos brilham, como se emana dela um<br />
calor que dá confiança, vontade de ficar — ficar para<br />
sempre... Se tivesse coragem, ele lhe falaria com franqueza,<br />
diria tudo. Tomaria a mão dela, trazendo-a para bem juntinho<br />
de si e ficariam depois os dois abraçados, sem necessidade de<br />
dizer mais nada. E o mundo passaria a ter uma significação<br />
nova, a vida lhe mostraria uma face diferente, a sua solidão se<br />
quebraria, ele teria sempre junto de si uma criatura que o<br />
compreendesse, uma criatura terna e ao mesmo tempo<br />
decidida e forte. Se ele tivesse coragem... Sim, a penumbra lhe<br />
dá mais ânimo. Sempre é melhor falar e dizer coisas íntimas<br />
quando o interlocutor não nos vê a face. . . Mas o que Noel<br />
teme é o som das próprias palavras morrendo no silêncio, sem<br />
eco. Apavora-o sobretudo o ridículo da situação.<br />
O silêncio já dura alguns minutos.<br />
Fernanda olha para Noel e tem vontade de afagar-lhe a<br />
cabeça de menino desamparado. Ele sempre lhe despertou<br />
instintos maternais.- é um pobre ser sem vontade que precisa<br />
duma pessoa que o guie pela vida em fora, levando-o pela mão.<br />
E ela nem ousa pensar em que a amizade de ambos possa<br />
tomar outro rumo. De sua parte não há de dizer nada. No<br />
entanto sente todas as palavras que Noel não diz. Lê fundo nos<br />
pensamentos dele, adivinha-lhe os desejos. No colégio sempre<br />
foi assim. Quando Noel se revolvia na classe, inquieto, tímido,<br />
sem coragem de pedir, e lançava para ela um olhar suplicante,<br />
Fernanda se erguia, compreendendo tudo, levantava e dizia:<br />
“Fessora, o Noelzinho quer ir lá fora.” Os outros riam. Mas era<br />
assim... Ela sabia quando Noel não tinha estudado a lição, sabia<br />
quando ele estava com medo. E agora ela pressente que o<br />
amigo tem uma confissão a fazer. Podia, como outrora, servir<br />
de alto-falante para seus pensamentos ou ir até ao encontro<br />
dele, esperando-o na metade do difícil caminho.<br />
O silêncio persevera. Por mais que busque um assunto,<br />
Noel não encontra outro além do desejo que tem de dizer a<br />
Fernanda que a ama. Ela sorri e continua calada. Noel sorri em<br />
resposta.<br />
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