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Caminhos Cruzados - Erico Verissimo

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“(...) Não me parece possível retratar com palavras um<br />

rosto de mulher. O que importa não é seu formato, a cor dos<br />

olhos, o desenho da boca e do nariz ou o tom da pele. É antes<br />

uma certa qualidade interior que ilumina a face, animando-a e<br />

tornando-a distinta de todas as outras e essa qualidade<br />

raramente ou nunca se deixa prender nem mesmo pela câmara<br />

fotográfica”. {6}<br />

Certamente nenhum dos tipos de sua vasta galeria<br />

feminina mereceu-lhe a volúpia caricatural com que pintou<br />

seu Dr. Ximeno Lustosa:<br />

“Era um homem baixo, de ombros estreitos e caídos.<br />

Uma gordura mal distribuída acumulava-se-lhe notadamente<br />

nos quadris, na região sacrococcigiana, no ventre e nas<br />

bochechas. Quanto ao resto, dava a impressão dum tipo magro<br />

e frágil. Os braços, coxas e pernas eram finos; as mãos miúdas<br />

e delicadas, como mãos de meninos. Tinha a pele macilenta e<br />

pintalgada de cravos, principalmente na testa, no nariz<br />

reluzente e no queixo, onde a barba azulava, mais cerrada. A<br />

cabeça parecia ter sido moldada em maçapão por um artista<br />

que, forçado a trabalhar com material de confeitaria,<br />

procurasse vingar-se dessa circunstância dando à sua obra<br />

traços de caricatura”. {7}<br />

Os exemplos em relação a tipos masculinos poderiam ser<br />

elevados a dezenas. Que o leitor se dê ao trabalho de<br />

enquadrar os modelos que for encontrando no esquema por nós<br />

proposto e se convencerá da veracidade desta resposta que<br />

nos deu o próprio <strong>Erico</strong> <strong>Verissimo</strong>, ao comentarmos a<br />

divergência de critérios no tratamento dos sexos em suas<br />

personagens:<br />

— Em geral, pinto cara de homem e caráter de mulher.<br />

3. Ficção e verismo.<br />

“Na Arte só têm importância os que criam almas, e não<br />

os que reproduzem costumes” disse com sobradas razões Eça<br />

de Queirós. {8} Na verdade, porém, só adquirem significação<br />

documental os ficcionistas capazes, ao mesmo tempo, das duas<br />

coisas. Nesse sentido <strong>Erico</strong> <strong>Verissimo</strong> é o mais completo<br />

artista que a nossa evolução literária produziu. Pertence-lhe o<br />

mérito, mais do que a qualquer outro, de ter fixado o nosso<br />

quadro histórico, como cronista da sociedade, criador de<br />

almas e pintor de costumes, além do Poeta que narrou, em<br />

lances de epopéia, a formação de nossa gente. Quem pretenda,<br />

por isso, proceder no futuro, ao levantamento desta época, em<br />

todas as suas dimensões, será a ele e não a outro<br />

contemporâneo que deverá recorrer. Para nós que, além de<br />

seus conterrâneos, somos seus contemporâneos e até<br />

coetâneos, a autenticidade das personagens de Érico<br />

Veríssimo é fato que passa em julgado. São criaturas de carne<br />

e osso, encontradiças em toda parte, extremamente fiéis ao<br />

seu ambiente. Suas mulheres são figuras possíveis e

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