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contar, impossível. E se ela vem com choros falar-lhe em<br />
casamento? Isto sim é que é possível. Mas uma moça rica não<br />
precisa casar...<br />
Batem à porta.<br />
— Quem é?”<br />
— O café.<br />
— Pode entrar.<br />
A camareira entra com a bandeja do café. É uma<br />
chinoca baixa, vestida de preto, de avental e touca branca.<br />
Entra, cumprimenta e depõe a bandeja sobre a mesa.<br />
— Já bati mais cedo, o senhor decerto estava dormindo.<br />
— Está bem. Pode ir.<br />
Salu fica olhando a criada. É uma mulher de pernas<br />
curtas e tortas, pés enormes. Que diferença!<br />
De novo pensa em Chinita. A criada sai e fecha a porta.<br />
Salu despeja café na xícara e toma um gole.<br />
No bule niquelado vê refletido o seu rosto: uma figura<br />
grotesca, de cara oblonga e chata, numa caricatura ridícula e<br />
desagradável. Se ele fosse assim disforme, com estas mãos<br />
desproporcionais, este aspecto de microcéfa-lo... Não teria<br />
possuído Chinita ontem, nenhuma mulher havia de querê-lo. Se<br />
fosse assim deformado, que significação podia ter para ele a<br />
vida? Que seria o mundo sem essa sensação esquisita de ser<br />
admirado, invejado, cobiçado?<br />
As recordações se lhe atropelam na mente. Salu<br />
relembra o colégio. Os colegas o respeitavam porque ele era<br />
forte. As meninas o admiravam porque ele era bonito. Quando<br />
o grupo de amadores levava os seus dramas, sempre o<br />
escolhiam para galã. Com que entusiasmo representava! O<br />
Pereirinha se vestia de mulher e caía em seus braços: “Meu<br />
querido Eduíno, sou toda tua!” E a castelã se abandonava ao<br />
bravo cavaleiro andante, largando sobre ele todo o peso do<br />
corpo. Salu falava num cochicho com o canto dos lábios: “Não<br />
seja besta, não larga o corpo assim que tu rasgas a minha<br />
armadura.” A armadura era de papelão... E no final, quando<br />
Edvino, resistindo à tentação, fugia para a montanha e,<br />
renunciando à vida, internava-se num monastério, a platéia<br />
rompia em aplausos, o pano caía e o padre-prefeito vinha<br />
felicitá-lo: “Muito bem Salustiano, admirráfel!’ Ganhava<br />
merenda especial, tinha licença de sair no domingo seguinte. E<br />
recebia bilhetinhos clandestinos das meninas do arrabalde:<br />
“Mando-lhe esta violeta, veja o que quer dizer no livro<br />
dos significados das flores. Sua admiradora<br />
Pearl White Brasileira.”<br />
E em casa nas férias, todos achavam: “É a pérola da<br />
família.” — E na cidade do interior o mocinho estudante que<br />
vinha de férias era disputado...<br />
Ainda a contemplar a cara feia que o espelho mentiroso