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velhos. Mas, cortês, acrescenta:<br />
— O senhor ainda está conservadão. Quantos?<br />
— Cinqüenta e cinco na cacunda... Raça de caboclo.<br />
Um silêncio. Zé Maria passeia o olhar em torno. Teotônio<br />
procura assunto mas só atina com murmurar:<br />
— Sim senhor.<br />
E o coronel:<br />
— Senhor sim.<br />
E, depois de uma pausa, olhando o relógio (só por hábito,<br />
porque nem fica sabendo que horas são) diz:<br />
— Bueno, vou andando...<br />
— Muito bem. Havemos de nos encontrar hoje à noite...<br />
— Não tem dúvida.<br />
Apertam-se as mãos. O coronel sai no seu andar pesado e<br />
tardo de paquiderme.<br />
Seguindo-o com os olhos, Teotônio tem a certeza, como<br />
nunca, da sua imensa superioridade, da sua condição<br />
privilegiada de homem de espírito e talento.<br />
Encolhido e apreensivo, Teotônio Leitão Leiria entra na<br />
Travessa das Acácias. Sua mente é uma tela de cinema em<br />
que três imagens — a de Dodó, a de Monsenhor Gross e a da<br />
menina de olhos verdes — se sucedem em close-ups<br />
assustadores. Tumulto de sentimentos. Impressão de culpa e<br />
pecado, perspectiva de gozo, alvoroço, temor, remorso<br />
antecipado... Teotônio caminha, rente à parede. Felizmente os<br />
combustores ainda não se acenderam. Dentro do crepúsculo<br />
cinzento que caiu sobre a rua suburbana, as árvores oferecem<br />
ainda uma sombra mais funda e protetora. Teotônio olha os<br />
números das casas, sem parar. As faces lhe ardem. Tem<br />
vontade de levantar a gola do casaco, como um criminoso que<br />
não quer ser reconhecido. Mas não: isso seria chamar mais a<br />
atenção das pessoas... Há gente às janelas. Teotônio prossegue<br />
teso, sem olhar para os lados.<br />
Dodó, Dodó, Dodó, como eu me sinto sujo, Dodó, como sou<br />
porco! Monsenhor Gross, haverá perdão para o meu pecado?<br />
Mas no cineminha do cérebro a figura da pequena de<br />
olhos verdes apaga as outras duas imagens. Teotônio imagina<br />
o quarto. Deve ser como todos: uma cama de casal, janela<br />
dando para o pátio, lavatório de ferro com sabonete barato. A<br />
um canto a menina se despe em silêncio, ergue o vestido, a<br />
saia sobe, as coxas aparecem, brancas, macias... Mas a imagem<br />
de Dodó vai se definindo sobre a tela como um espectro,<br />
ficando mais forte, mais nítida, e lá está ela agora tirando o<br />
vestido, mostrando as coxas gordas e flácidas, as coxas<br />
enormes que tremem como gelatina, levemente cinzentas... um<br />
cinzento de decomposição e velhice.<br />
Dodó! Dodó! Tu não me compreendes, um businessman<br />
precisa de derivativos. Tu me perdoarás, Cristo perdoou e<br />
Madalena era mais pecadora que eu porque, enfim, ela era<br />
mulher. 75. Santo Deus, quando é que chega o 143? Terei