Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
domingo<br />
O dia amanhece quente e luminoso.<br />
Clarimundo abre a janela para a manhã, e tem a<br />
impressão de que o mundo acaba de nascer. Cantam os sinos<br />
duma igreja próxima. As pombas do quintal fronteiro estão<br />
agitadas, batem asas, voejam, pousam arrulhando nos telhados<br />
da vizinhança. Cada vidraça é um espelho a reverberar<br />
claridade do sol. Roupas coloridas imóveis pendem de cordas,<br />
no pátio da casa do Cap. Mota. Mais ao fundo, uma fila de<br />
bananeiras em cujas folhas escorre uma luz verde e oleosa. O<br />
rio se confunde com o céu no mesmo azul rútilo, e só a<br />
pincelada lilás dos cerros é que diz onde termina um e o outro<br />
começa.<br />
Clarimundo olha para a casa fronteira. Lá está a velha<br />
de preto, às voltas com as coisas para o café. A mesa está<br />
posta: a toalha de xadrez vermelho, o bule azul. Agora chega a<br />
moça bonita. Mais adiante, na outra casa, o homem do<br />
gramofone lê um jornal: a máquina odiosa está a um canto,<br />
com o seu fone de campânula, calada: mas daqui a pouco na<br />
certa começa a berrar. Por enquanto só berram os filhos do<br />
homem, e como berram! O professor deixa a janela, num<br />
protesto.<br />
Batem à porta. É o rapaz do restaurante que vem trazer<br />
o café. Entra.<br />
— Bom dia.<br />
— Bom dia.<br />
Põe a bandeja em cima da mesa e volta-se para sair. O<br />
professor dirige o olhar para ele:<br />
— Ó moço!<br />
O garçon pára.<br />
— Como é o seu nome?<br />
O rapaz fica surpreendido. Já o disse mais de mil vezes.<br />
Chama-se Valério. O professor sempre esquece. Que homem<br />
cabuloso!<br />
— Seu Valério, o senhor está com muita pressa?<br />
O rapaz sorri, um pouco contrafeito. É gorjeta, na certa,<br />
— pensa.<br />
— Pressa mesmo não tenho... Por quê?<br />
Clarimundo esfrega as mãos e examina o outro com<br />
curiosidade científica.<br />
— Sente-se ali.<br />
Mostra uma cadeira. Depois de hesitar por alguns<br />
segundos, o moço do restaurante obedece.<br />
O professor vai até a janela, olha para fora mas nada vê<br />
do mundo objetivo. Coça o queixo e volta-se.<br />
— Quantos anos o senhor tem?<br />
— Dezanove.<br />
23