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“Fazia muitos anos que Marina deixara de ter ciúme.<br />
Bernardo vivia cercado de admiradoras. Ela ficava sabendo de<br />
quase todas as suas aventuras amorosas. Com uma confusa<br />
mistura de ironia, de condescendência maternal e ao mesmo<br />
tempo com uma absurda espécie de ressentimento, ela<br />
‘protegia’ os amoricos do marido. Sabia que ao cabo das farras<br />
e das aventuras, Bernardo voltava para ela arrependido e<br />
lamuriente, com a boca amarga, os olhos injetados, a face<br />
mais vincada e cheio de protestos de regeneração”. {16}<br />
Marcelo, filho de caudilho, criado à saia da mãe, chegou<br />
a este conceito de marido: “O macho; o que manda; o que vai<br />
para a guerra; o que anda atrás de outras mulheres; o que<br />
cheira a sarro de cigarro e suor; o que escarra no chão; o que<br />
fala alto”. E mulher: “A que sofre, obedece, cala e espera<br />
chorando; a que faz o pão e tem filhos; a que nunca sorri”. Do<br />
pai guardou esta lembrança: “... marido rude, autoritário e<br />
egoísta, que muitas vezes chegava a trazer amantes para<br />
casa”. {17}<br />
Aristides Barreiro, cuja esposa é digna, mantém amante<br />
jovem de que se aproveita também o filho Aurélio.<br />
Marcelo, de conduta um tanto ascética (chegou a pensar<br />
em ir para um convento), nos põe diante da corajosa paciência<br />
da mãe (que nunca murmurou uma palavra de queixa ou<br />
amargura, mesmo quando a sós com o filho, deitada ao lado<br />
dele, na cama grande de casal onde havia muito o marido não<br />
dormia), e nos lembra que todas as tardes iam acender velas<br />
no oratório, a implorar a Nossa Senhora da Conceição que<br />
protegesse o chefe da casa, o velho caudilho cheio de pecados<br />
sensuais, rodeado de mortes de inimigos.<br />
6. A “revulsão interior”.<br />
É no soberbo painel de O Tempo e o Vento que <strong>Erico</strong> nos<br />
apresenta a grande galeria feminina de sua obra. O mesmo<br />
traço genérico já assinalado continua a distinguir<br />
perfeitamente suas personagens masculinas das femininas.<br />
Naqueles homens rudes, moldados por uma sociedade que<br />
ainda conserva as lembranças recentes do semi-nomadismo,<br />
pastoril e guerreiro, predominam as afirmações pessoais sobre<br />
as tendências coletivas e gregárias. Poderosas estruturas<br />
individualistas, os melhores tipos dentre eles são ainda egoaltruístas,<br />
nos quais, subjacente às atitudes mais generosas, há<br />
sempre latente a agressividade de um primitivo.<br />
É justamente nessa atmosfera de modelos<br />
masculinizantes, que ele recorta o mais vivo e denso conjunto<br />
de mulheres de toda a literatura brasileira. Cheias de<br />
heroísmo silencioso nos embates, de coragem resignada na<br />
adversidade, constantes e tenazes, apegadas ao seu torrão<br />
onde armam suas moradas de espera e renúncia, que as<br />
tormentas da vida não abalam, são como poderosa força<br />
centrípeta a conter o tumulto movediço dos peleadores