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Caminhos Cruzados - Erico Verissimo

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Adulam os prelados, cuja boa-fé procuram ilaquear<br />

despudoradamente!<br />

O entusiasmo que lhe ferve no peito é tão grande que<br />

Teotônio se levanta e começa a caminhar em cima do seu<br />

tapete verde, de lá para cá. Sim. Zé Maria se vai impondo aos<br />

poucos. Vinte e cinco contos de réis para as obras da Catedral<br />

Metropolitana. Amanhã será conselheiro municipal. Mais tarde,<br />

deputado. Quem sabe? Não. Os homens como ele, Leitão Leiria,<br />

que têm um nome a zelar, uma filha a defender, devem<br />

arvorar-se em paladinos da causa do saneamento moral da<br />

sociedade. Ficar inerte é um crime. Agir! Mas de que forma?<br />

Escrever pela imprensa: descobrir as baterias, terçar armas<br />

em campo aberto? Claro que não, seria improfícuo. Melhor é<br />

lançar mão dos recursos da estratégia moderna. Guerra<br />

subterrânea, gases asfixiantes, submarinos, aviões, bombardear<br />

das nuvens. Sim, porque ele precisa pairar alto para que os<br />

respingos da lama não o atinjam.<br />

Monsenhor Gross precisa saber, a qualquer preço, seja<br />

como for. Uma carta... Anônima, naturalmente, porque ele não<br />

pode expor-se. Assiná-la seria imprudência. Podiam pensar que<br />

a inveja o movia... sim, uma carta.<br />

Quando o fim é bom, todos os meios são justificáveis. De<br />

antemão Leitão Leiria se absolve do pecadilho.<br />

Senta-se à mesa, toma dum papel sem timbre, da caneta<br />

e começa a escrever com letra de imprensa:<br />

Ilustre prelado: Vejo-me na obrigação de lhe dizer que<br />

esse Sr. José Maria Pedrosa que parece um cidadão<br />

decente e procura imiscuir-se nos meios católicos da<br />

nossa urbs é um homem sem moral que se dá o luxo<br />

depravado de ter uma amante. Sou um servo fiel da<br />

Igreja, por isto me julgo na obrigação moral de fazer<br />

esta denúncia. E para provar que a minha delação é<br />

bem fundada, digo-lhe o nome da Messalina teúda e<br />

manteúda pelo referido cidadão e o número da casa em<br />

que ambos escondem a sua ligação vergonhosa.<br />

Mas de repente Leitão Leiria — tomado duma estranha<br />

sensação de culpa que lhe afogueia o rosto — rasga o papel<br />

em muitos pedaços miúdos e joga-o dentro da cesta.<br />

Levanta-se e continua a caminhar dum lado para outro.<br />

Não, mas aquele bugre boçal precisa levar a sua dose! A coisa<br />

não pode ficar assim. E se ele escrevesse um bilhete<br />

denunciando-o à mulher? Havia de amargar-lhe pelo menos<br />

algumas horas...<br />

Mas de novo Leitão Leiria repele a idéia.<br />

De súbito lembra-se do pedido de Monsenhor Gross.<br />

Arranjar um emprego para uma protegida. Que fazer? Só há<br />

uma saída. Despedir Fernanda. Mas não se pode mandar

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