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Caminhos Cruzados - Erico Verissimo

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Quando a vê julga-se obrigado a apertá-la, a mordê-la, a fazerlhe<br />

carícias animais. Já compreendeu, porém, que Chinita, não<br />

recebendo de todo mal as suas expansões violentas, gostaria<br />

que ele também lhe falasse de coisas doces, do luar, de<br />

bangalô entre árvores, de poesia e casamento.<br />

Chinita afasta a cabeça, atirando-se para trás. (Pensa<br />

imediatamente em Norma Shearer.) Olha Salu bem nos olhos,<br />

— Nos encontramos amanhã no Imperial? — pergunta.<br />

— Talvez...<br />

A cara de Chinita escurece.<br />

— Por que talvez?<br />

— Se a tua mamãe e o teu papai vão... não contes<br />

comigo.<br />

— Ora! Mas por quê?<br />

A idéia da presença da mãe de Chinita enche Salu dum<br />

desgosto antecipado. Ele pensa na cara séria da “velha” que<br />

parece estar dizendo: “Então, seu Salu, quando é que o senhor<br />

se explica?”<br />

Chinita procura compor no rosto a mais impressionante<br />

expressão de zanga. Mas Salu aperta-a com violência contra o<br />

peito, encosta mais forte o rosto no rosto dela e numa surdina<br />

cariciosa e ao mesmo tempo contundente vai dizendo:<br />

— Eu quero você sozinha, só você, só, só, só...<br />

A música cessa com um gemido de agonia em que o<br />

saxofone fica chorando numa trêmula fermata. Estalam<br />

palmas.<br />

Leitão Leiria, sentado a uma mesa, chupa seu charuto e<br />

exclama:<br />

— Que indignidade!<br />

Acabam de contar-lhe uma manobra política do partido<br />

oposicionista. Os seus olhos chispam de indignação.<br />

Do outro lado da mesa, o Dr. Armênio, advogado e<br />

pretendente à mão da filha de Leitão Leiria, sorri um sorriso<br />

meloso de aprovação sem palavras. A seu lado, Honorato<br />

Madeira, quase morto de sono, pensa na sua casa e na sua<br />

cama. Consulta o relógio — dez horas.<br />

Tão cedo... Que caceteação!<br />

O Dr. Armênio afaga esta noite uma bela esperança. É<br />

possível que hoje Vera decida aceitá-lo. As suas indiretas, os<br />

seus madrigais velados hão de fazê-la compreender... Armênio<br />

apalpa o coração com um sentimento feliz de tranqüilidade.<br />

Ali no bolso de dentro do casaco está a sua caderneta de capa<br />

de couro onde ele anotou assuntos para palestra, frases<br />

completas durante a semana, citações de livros lidos. Daqui a<br />

pouco vai reler, recordar, para utilizar os apontamentos na<br />

palestra. Vera é tão instruída, tão linda, tão perpicaz.<br />

(Armênio não consegue nunca dizer perspicaz.)<br />

— O nosso partido está forte — garante Leitão Leiria,<br />

muito teso e importante na sua cadeira. Consciente de sua<br />

estatura física (é mais baixo que a mulher) procura compensála<br />

mantendo-se permanentemente empertigado. — O nosso

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